‘Pesquisa em comunicação precisa ser mais ambiciosa’


Foto: Edu Cesar
Por Elton Alisson - Agência Fapesp
As oportunidades de desenvolver estudos em comunicação no Brasil aumentaram bastante nos últimos anos. A maior parte dos projetos, no entanto, ainda é formada por trabalhos pequenos e menos ambiciosos do que os realizados em outras áreas.
A avaliação foi feita por Norval Baitello Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e membro da Coordenação da Área de Ciências Humanas e Sociais (subáreas Comunicação, Ciências da Informação e Museologia) da FAPESP, na abertura do Ciclo de Conferências “50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de São Paulo”, na última sexta-feira (09/08), na sede da Fundação.
Promovida pela FAPESP em parceria com a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), a série de oito encontros semanais – que serão realizados até o dia 4 de outubro, sempre às sextas-feiras – tem como objetivo discutir alguns dos principais aspectos da comunicação no Brasil nas últimas cinco décadas.
“Hoje, por meio de instituições como a FAPESP, temos boas possibilidades de desenvolver as Ciências da Comunicação, que foram heroicamente fundadas no Brasil por pessoas que enfrentaram monstros de carne e osso”, disse Baitello, referindo-se aos censores do regime militar.
“Mas, uma das nossas falhas como área do conhecimento é que ainda somos muito tímidos. Apresentamos poucos projetos considerados complexos, que apresentem maior dificuldade, mas que recebem maior volume de recursos”, disse.
De acordo com Baitello, a maior parte dos projetos da área de Comunicação apresentados hoje à FAPESP é de iniciação científica, mestrado e doutorado. Começaram a surgir nos últimos anos, no entanto, alguns projetos mais ambiciosos e de mais longo alcance. O número, porém, ainda está abaixo da expectativa da Fundação.
“Temos que aprender com a Museologia – que submete mais projetos à FAPESP do que as áreas de Comunicação e Ciências da Informação – a apresentar projetos mais corajosos”, avaliou.
No segundo edital lançado pela FAPESP para selecionar novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs), em 2011, por exemplo, foram apresentadas apenas duas propostas em Ciências da Comunicação, entre as 100 propostas submetidas, e nenhuma delas foi aprovada, apontou Baitello.
“Ainda são poucos os pesquisadores da área que apresentam projetos mais ambiciosos, como o de um CEPID, que financia centros de pesquisa por um período de 11 anos com um volume de recursos maior do que o disponibilizado por outras agências de fomento no mundo”, comparou. 
Avanços da área
Segundo Baitello, um dos avanços na pesquisa em Ciências da Comunicação observados nos últimos anos foi o aumento da diversidade de temas estudados.
Enquanto no passado os estudos eram mais concentrados em jornalismo impresso, televisão e rádio, atualmente há um maior número de projetos relacionados aos novos meios de comunicação, como a rádio por internet, e sobre temas como websitesgames e até mesmoanimes – desenhos animados produzidos no Japão. Com isso, ficou mais difícil encontrar pareceristas para avaliar as propostas de projetos. “Algumas vezes temos que procurar pareceristas fora do Estado de São Paulo e muitas vezes no exterior”, disse Baitello.
Outra mudança na pesquisa em Ciências da Comunicação identificada particularmente no Estado de São Paulo, segundo o pesquisador, é o aumento na diversidade geográfica da produção científica na área.
Anteriormente, as pesquisas estavam muito concentradas na cidade de São Paulo. Hoje, a produção científica está mais distribuída por cidades do interior do Estado e por outras instituições de pesquisa que não somente as três grandes universidades estaduais paulistas – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) –, indicou o pesquisador.
“Hoje, temos não apenas a presença dessas três universidades, que também continuam crescendo [em termos de produção científica], mas também de outras instituições públicas e particulares que competem com grande capacidade e excelência pelas bolsas e recursos à pesquisa oferecidos pela FAPESP”, ressaltou.
De acordo com o pesquisador, também aumentou a procura na área por bolsas de pós-doutorado e por auxílios à vinda de pesquisadores do exterior a universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo para fins de cooperação científica. Ainda há, no entanto, muito espaço para que mais professores visitantes e pós-doutorandos estrangeiros sejam convidados a vir para o Estado de São Paulo realizar suas pesquisas, segundo Baitello.
As duas iniciativas – somando-se à oportunidade oferecida pela FAPESP aos seus bolsistas de realizar estágio de pesquisa no exterior – devem contribuir para o avanço da cooperação científica internacional na área, avaliou Baitello.
“A internacionalização da pesquisa feita em São Paulo cresceu enormemente por meio dessas medidas e as Ciências da Comunicação também se beneficiaram muito com isso. Nossa pesquisa em comunicação era voltada, no máximo, para a América Latina”, afirmou.
Baitello anunciou durante o evento que a FAPESP está apoiando a transferência do arquivo de textos escritos por Vilém Flusser (1920-1991) ao Brasil. Filósofo tcheco, naturalizado brasileiro, Flusser viveu entre 1941 a 1972 em São Paulo, onde atuou como professor de Filosofia na USP, jornalista, conferencista e escritor. É considerado um dos principais filósofos da comunicação no mundo.
“Cerca de 80% dos escritos de Flusser ainda não foram publicados, e 70% das mais de 50 mil páginas estão em português. Esse acervo virá ao Brasil, com apoio da FAPESP, e será disponibilizado para acesso por pesquisadores interessados”, contou Baitello.
Fundação das ciências da comunicação
Na abertura da conferência, o presidente da FAPESP, Celso Lafer, ressaltou que a Fundação apoia com muita satisfação eventos como o que está promovendo em parceria com a Intercom por diversas razões. Uma delas é porque a instituição também enfrenta em seu dia a dia o desafio da comunicação.
“A missão da FAPESP é não só apoiar a pesquisa, como também a divulgação para o público em geral dos resultados do projeto que apoia. Além disso, a Fundação também apoia pesquisa de qualidade em todas as áreas do conhecimento. Não por acaso, a FAPESP apoiou mais de 700 projetos na área da Comunicação nos últimos anos”, destacou.
José Marques de Melo, professor da Universidade de São Paulo e da Universidade Metodista de São Paulo, lembrou que o marco da Comunicação como ciência foi a fundação do Instituto de Ciência da Informação (Inciform), no Recife, em dezembro de 1963, pelo jornalista Luiz Beltrão (1918-1986).
Em 1964, foi criada a Faculdade de Comunicação de Brasília, dirigida por Pompeu de Souza e, posteriormente, por Beltrão, e em 1966, a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo. O primeiro Congresso de Comunicação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), foi realizado em 1971 e em 1973, foi realizado o 1º Congresso Brasileiro de Ensino e Pesquisa em Comunicação. "Foram todos esses momentos cruciais que determinaram o aparecimento do campo da comunicação no Brasil”, disse Marques de Melo.
A professora Margarida Kunsch, diretora da ECA, contou que “o ciclo de conferências deverá ser um marco para o fortalecimento do campo da comunicação e do reconhecimento de sua importância nos processos das transformações culturais, sociais e políticas pelas quais passam o país”. 
Também participaram da abertura do evento Marialva Barbosa, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e vice-presidente da Intercom, e Cristina Costa, professora da ECA e coordenadora do Projeto Memória da ECA, apoiado pela FAPESP.
A programação da parte da tarde do evento foi dedicada a discutir a obra dos precursores das Ciências da Comunicação no Brasil. Tendo como moderador Carlos Vogt, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o primeiro painel contou com a participação de Marialva Barbosa, Carlos Eduardo Lins da Silva, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Maria Cristina Gobbi, professora da Unesp, e Luis Milanesi, professor da USP.
Lins da Silva analisou a obra Literatura e sociedade: estudos da teoria e história literária, publicada em 1965 por Antonio Candido, que completou 95 anos na semana passada.
“Ler essa obra de Antonio Candido, entre outros prazeres, reforça a convicção de que, para ser profundo, não é preciso ser obscuro. Ele trouxe aos estudos literários no Brasil temas e procedimentos de Sociologia, História, Filosofia, Antropologia e da Psicanálise, que revolucionaram e moldaram a crítica literária brasileira até hoje”, contou.
"Antonio Candido, em Literatura e sociedade, faz magistralmente uma síntese de autor, obra e público que, em geral, não são vistos como uma coisa só. Ele, ao contrário, explica como esses três elementos compõem o ato da comunicação. Não se pode separar um do outro; não se pode estudar uma separadamente da outra". 
Na próxima conferência, no dia 16 de agosto, também na sede da FAPESP, o tema será “Desbravadores das Ciências da Comunicação”.
Mais informações sobre o ciclo: www.fapesp.br/7888

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