Mia Couto aponta reinvenção do português como processo político

Compartilhamos abaixo matéria do jornal Folha de S. Paulo sobre encontro com o escritor moçambicano Mia Couto, um dos mais festejados da língua portuguesa na atualidade. Indicamos o texto abaixo para que você possa conhecer um pouquinho desse autor e recomendamos fortemente a leitura de seus livros. 

Autor moçambicano vê neologismos de sua obra como reflexo da independência de seu país
Vencedor do prêmio Camões, escritor participou de encontro no último sábado (24/08), no teatro Geo, em São Paulo

Zanone Fraissat/FolhapressO escritor Mia Couto durante o encontroO escritor Mia Couto durante o encontro

Um dos mais celebrados autores de língua portuguesa na atualidade, o escritor moçambicano Mia Couto, vencedor do prêmio Camões e autor de livros como "Terra Sonâmbula", participou de encontro no último sábado (24/08) no teatro Geo, em São Paulo.

Em quase duas horas de conversa, Couto falou sobre sua maneira de reinventar a língua portuguesa ao escrever, seu envolvimento com a luta pela independência de seu país, a relação dos africanos com o Brasil e os estereótipos que rondam a África e a literatura do continente.

No evento organizado pela Folha, o Fronteiras do Pensamento, a Companhia das Letras e a Livraria da Vila, Couto foi entrevistado por Raquel Cozer, repórter e colunista da Folha, e Eliane Brum, escritora e colunista da revista "Época".

Leia a seguir os principais trechos da conversa.
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Língua portuguesa
Hoje o português é a língua nacional dos moçambicanos, mas a maior parte deles tem outra língua materna. É uma língua em constante movimento, e isso para um escritor é muito sedutor. Essa reinvenção da língua ocorre como um processo social.
João Guimarães Rosa foi uma grande influência. Era como um sinal verde que na literatura se pudesse fazer esse processo de reinvenção da língua. É a reinvenção da nação como linguagem. E Guimarães dá conta desse Brasil ameaçado pelo moderno. É uma coisa que vivemos em Moçambique. A linguagem vira campo de resistência.

Força das mulheres
É como se as personagens femininas se impusessem em minha obra. Mesmo sendo de uma geração em que era preciso dar provas de ser homem, eu venci o medo de encontrar essa mulher em mim.
Eu escutava as histórias que as mulheres contavam sentado fazendo o dever de casa no chão da cozinha. Eu me fiz escritor ali. Via as suas saias passando, ondulando. As mulheres produziram em mim essas memórias.

Imagem da África
O Brasil tem uma ideia muito mistificada da África. A gente imagina que, por ser negro, um brasileiro teria mais intimidade com a África, mas isso é uma bobagem.
Essa visão reducionista e simplificada também é uma coisa que os próprios africanos adotaram. Muitos deles traduziram uma África que os próprios europeus criaram.
Não houve a África do bom selvagem, em que todos viviam em harmonia até a chegada dos colonizadores. Houve uma mão de dentro até na escravatura, cumplicidades entre africanos e europeus.
Quando [os escritores] saímos do estereótipo da África com seus bichos e feiticeiros, enfrentamos outros preconceitos. Mas a África tem de fazer esse esforço.

Prosa e poesia
Sou mais poeta quando escrevo prosa do que quando escrevo poesia. Quando vejo algo que me espanta, escrevo até num guardanapo, em notas de dinheiro, em coisas que nem posso dizer. Tem de haver uma urgência naquilo.

Teor político
Minha literatura é política porque quero dizer coisas com a intenção de produzir um mundo melhor. Fiz parte de uma geração que lutou pela independência e venceu. Tem esse sentimento épico.

Fonte: Folha de S. Paulo 27/08/2013

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