Se nem adulto reconhece fake news, como ensinar as crianças a fazer isso?
Propor o desenvolvimento de uma leitura crítica e reflexão sobre redes sociais é o caminho (15/08/2019)
Por Laura Mattos - Opinião/FSP
Com tanto adulto por aí que não sabe identificar fake news, como esperar que crianças tenham essa capacidade? Se mesmo pessoas experientes caem em golpes na internet, de que forma proteger meninos e meninas dos perigos on-line, inclusive a pedofilia?
A resposta é “media literacy”. A tradução no Brasil varia, mas é algo entre alfabetização digital, alfabetização midiática ou alfabetização para a mídia.
Nas escolas finalmente começa a ficar claro que isso não significa ensinar os alunos a usar o computador, fazer lição de casa com celular, desenvolver programas, operar impressora 3D ou qualquer atividade em que a parafernália tecnológica esteja no centro da proposta pedagógica.
Aliás, a ferramenta é o que menos importa, até porque é chavão dizer que a criançada já nasce sabendo usar tudo quanto é aparelho.
Alfabetizar para a mídia não tem a ver com a técnica do uso, do manejo de botões, dos cliques, do vaivém dos dedos pela tela.
O que se deve desenvolver é a leitura crítica de tudo isso, mostrar como separar o joio do trigo, buscar boas fontes, reconhecer e combater fake news, se proteger de criminosos, refletir sobre as redes sociais, entender a indústria, quais são as empresas que as dominam, que poder detém.
O tema estará em debate em eventos nesta e na próxima semana em São Paulo. Amanhã, no Instituto Goethe, produtores de audiovisual e pesquisadores falam sobre projetos em que alunos participam da criação de vídeos.
Ao dominar o processo de produção, têm uma chance maior de olhar criticamente para a mídia. A mesa Aqui se Faz Junto com Crianças e Jovens faz parte do festival comKids – Prix Jeunesse Iberoamericano, iniciativa alemã para promover audiovisuais de qualidade para a infância.
A direção-geral é de Beth Carmona, responsável pela programação da TV Cultura nos anos 1990, tempo áureo dos infantis, entre eles o “Castelo Rá-Tim-Bum”.
Dentre os vídeos que serão exibidos, está uma animação com massinha, “No Caminho da Escola”, produzido com 90 alunos da rede municipal de Vitória (ES).
É a história de uma garota que vai parar em um planeta tecnológico, em que até os bichos são robôs e já tinha até o Playstation 10. Ela pensa em morar lá, até encontrar um menino com a cabeça em formato de livro que lhe conta o lado negativo da tecnologia.
Márcia Barbosa da Silva, doutora em educação, mediará o debate. Especialista em “media literacy”, ela alerta para a necessidade de se formar professores. Muitos até estão preparados tecnicamente para utilizar ferramentas de mídia, mas poucos são capazes de uma compreensão que envolva linguagem, estética, valores e ideologia.
Na próxima segunda (19), às 10h15, as fake news serão debatidas em uma das mesas do 3o Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, no colégio Rio Branco.
Entre os participantes, estará o colombiano Tomás Durán Becerra, pesquisador de “media literacy”. Ele aponta para a necessidade de se desenvolver políticas nacionais voltadas à alfabetização digital, com o engajamento, inclusive, da indústria de mídia.
As empresas resistem em investir, mas já sofrem pressão para isso. O Google, por exemplo, após invadir escolas com seus computadores e salas com almofadas coloridas e sua marca nas paredes, no programa Google for Education, anunciou em junho um investimento de R$ 4 milhões em um projeto de “media literacy” no Brasil.
Em processos de alfabetização para a mídia, professores e alunos devem se sentar nos pufes descolados do Google na escola para discutir por que a empresa pagou por eles.
*Laura Mattos é jornalista e mestre pela USP, Laura Mattos está na Folha desde 2000; desde 2016 produz reportagens especiais.
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