Adolescentes em rede: caminhos, aprendizagens, possibilidades de cidadania


Resenha: "É complicado: As vidas sociais dos adolescentes em rede" -Danah Boyd 
(Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2015)
Por Cristiane Parente

O que os adolescentes fazem quando estão nas redes sociais? Como se comportam? Como as redes afetam suas vidas? O fato de terem intimidade com as redes os faz terem mais literacia digital? Essas e outras questões são discutidas no livro É complicado – As vidas sociais dos adolescentes em rede, de Danah Boyd, lançado em português em junho de 2015, pela editora lusa Relógio D’água Editores. A versão original, It´s complicated. The social lives of Network Teens, é de 2014.



Fruto do Doutorado de Boyd e de uma pesquisa de oito anos, o livro tem entre um dos objetivos combater o desconhecimento e os mitos sobre a vida dos adolescentes em rede. Apesar de ser focado em jovens norte-americanos, é interessante perceber as semelhanças com públicos da mesma faixa etária em outros países, tendo o cuidado de não cair na tentação da generalização.



Entre 2005 e 2012 a autora cruzou os EUA e conversou com 166 adolescentes de 18 estados com variados contextos culturais, sociais, econômicos e étnicos e observou seu consumo, comportamento e relação com as redes em diversos espaços: de escolas a igrejas e centros comercias. Não só. Conversou também com os responsáveis por esse público ou que lidavam diretamente com ele, como educadores, pais, bibliotecários.

Segundo a autora, que é investigadora do Centro de Pesquisa da Microsoft, professora assistente de pesquisa na Universidade de Nova Iorque e colaboradora do Centro Berkman de Internet e Sociedade da Universidade de Harvard, os adolescentes raramente têm sido ouvidos quando o assunto é “mídias sociais”. Ela, inclusive, tem participado e influenciado decisões sobre políticas públicas para essa faixa etária. “Muitas pessoas falam no envolvimento dos jovens nos media sociais, mas muito poucas estão dispostas a passar algum tempo a escutá-los, a ouvi-los, ou a prestar atenção ao que têm a dizer sobre as suas vidas, on e offline.” (BOYD, 2015, p.13) Por isso ela considera que o livro, de certa forma, vem fechar essa lacuna, ao dar voz a esses adolescentes.

Na época em que fez a pesquisa, Boyd andou por várias escolas e a realidade nos EUA em 2010 era de que mais de 80% dos alunos de escolas secundárias naquele país tinha um celular. Boa parte deles, porém, não os utilizava para chamadas, mas para fotografias e envios de mensagens ou ainda para verem e/ou compartilharem algum conteúdo com os amigos. 

Outra realidade que também chamou atenção da pesquisadora foi que ao contrário da primeira geração a tomar contato com as redes sociais e novas tecnologias, em meados dos anos 90, cuja intenção, em sua maioria, era escapar do mundo real e do contexto em que viviam, os adolescentes analisados usam a rede para entrar em contato com pessoas de sua comunidade, pessoas conhecidas, para comentar e compartilhar com elas fotos e opiniões de fatos vividos e acompanhados conjuntamente ou que lhes diziam respeito, como se fosse um prolongamento do que viveram no dia anterior, do momento offline.

Como afirma Boyd: (...) “as interações mediadas dos adolescentes complementam ou suplantam, por vezes, os seus encontros face a face”. (p.21) Mais do que isso, demonstram o quanto os adolescentes estão ali por motivações sociais, e não simplesmente pela tecnologia em si. Boyd ressalta que essa relação dos adolescentes com as tecnologias não os afasta da aprendizagem, mas que, pelo contrário, poderia ser aproveitada, integrada em novas experiências em ambientes de colaboração a partir das redes sociais.

No livro, a autora tenta explicar o porquê das mídias sociais terem tomado uma dimensão tão grande na vida dos adolescentes norte-americanos e, por outro lado, tenta desmistificar um pouco essas mídias e os perigos que as rondam, buscando informações que contestem as angústias sofridas pelos pais dos usuários.

Boyd destaca que há certo exagero das mídias tradicionais ao espalhar o medo e falar dos perigos relacionados às mídias sociais como bullying, partilha exagerada de conteúdos (muitas vezes não checados), falta de cuidado com a privacidade, predadores sexuais, etc apesar de reconhecer a pouca literacia digital dos adolescentes e o quanto isso os torna mais vulneráveis. Associado a isso, há ainda uma certa nostalgia dos pais dos adolescentes em relação à sua infância, como se ela fosse melhor que a atual, mais segura. A autora defende que os adultos ouçam mais os jovens e renunciem a essa nostalgia e a seu medo para irem ao encontro deles e de seu mundo, seu contexto.

Na verdade, o que Boyd destaca é que os adolescentes não estão dependentes das tecnologias ou de seus dispositivos como muitos acreditam - e aqui vale relativizar e contextualizar a pesquisa que ela fez para não achar que o mesmo ocorre em todos os lugares -, mas usam esses mesmos dispositivos como meios para chegarem a interações sociais, a buscarem seus amigos, a socializarem, já que atualmente a maior parte dos adolescentes que estão mais tempo na internet vivem contextos em que não é fácil a socialização no mundo offline e os próprios pais, com medo da violência, não os deixam sair muito de casa. Portanto, o encontro presencial é mais difícil e as redes representam para eles o que o centro comercial representava para gerações passadas: a possibilidade do encontro.

Boyd afirma que a raiz desses problemas online é a desigualdade racial e econômica offline e a disparidade de condições de aprendizagem entre os adolescentes. Ainda assim, como resultado final de sua pesquisa ela afirma que, em geral, os adolescentes estão bem. A nosso ver, porém, quando a autora faz essa afirmação, poderia ter provocado (e aprofundado) um debate sobre soluções, sobre políticas públicas de Educomunicação ou Literacia Mediática (apesar de ter dedicado um capítulo a esse tema) e de que forma elas poderiam contribuir para mobilizar a população em busca de soluções para essas questões, por exemplo e, quem sabe, resolver, pelo menos em parte, as desigualdades no acesso e fruição das novas tecnologias.

Importante ressaltar o que a autora diz entender por mídias sociais:
sites e serviços que surgiram durante os primeiros anos da década de
2000, nomeadamente sites de redes sociais, sites de partilhas de
vídeos, plataformas de blogues e microblogues, e ferramentas
relacionadas que permitem que os utilizadores criem e partilhem os
seus conteúdos próprios. Para além de se referir a diversas
ferramentas e plataformas de comunicação, a expressão media
sociais também indica uma mentalidade cultural que surgiu em
meados da década de 2000 no âmbito do fenómeno técnico e
comercial conhecido como web 2.0 (BOYD, 2015, p.22).

Ela destaca ainda que diferente da primeira geração que teve acesso às novas tecnologias, os adolescentes analisados em sua pesquisa as usam e participam das mídias sociais como uma parte comum do seu cotidiano e ainda que ao longo da pesquisa muitos dispositivos técnicos tenham sido alterados ou atualizados, as interações entre os adolescentes continuaram. E se antes o desejo de encontrar um lugar no mundo e ter autonomia fazia-se apenas no mundo offline, agora expressa-se para um público em rede, online.

Esse público em rede desempenha para os adolescentes de agora o mesmo papel que desempenharia num shopping ou num parque para os adolescentes de gerações passadas. E, assim como outrora a televisão fez com que as pessoas se sentissem ligadas umas às outras por meio do aparelho televisivo, as mídias sociais também possibilitam essa sensação de pertencimento a uma “comunidade imaginada coletivamente”.


Além do público, a pesquisadora também ressalta a maneira como o conteúdo é disponibilizado e os ambientes onde esse compartilhamento e essas relações ocorrem, o que pode gerar mais ou menos interação. 



De antemão, diferente dos espaços físicos, onde as pessoas têm mais dificuldade em alcançar um maior número de público, no mundo online esse alcance maior é naturalmente estimulado, especialmente pelas redes sociais.



Sobre o exagero na exposição à internet e às redes sociais, Boyd destaca que há pontos positivos e negativos. Por um lado os adolescentes passam mais tempo em casa, por outro percebemos que os meios de comunicação acabam por construir modelos de vida pública e de comportamento a partir de suas narrativas das celebridades que divulgam e estampam em suas notícias, o que é preciso ser visto com cautela, para não reproduzirmos “mini pop stars” e estereótipos.

Inclusive vale ressaltar que o fato dos adolescentes sentirem-se à vontade com as mídias sociais e passarem muito tempo na internet, não significa que dominam a tecnologia e, sendo assim, é preciso mais ênfase na necessidade de uma literacia midiática e digital. Boyd nesse ponto cita adolescentes que conseguem acessar o Google, mas não têm conhecimentos suficientes de como concluir uma pesquisa de qualidade ou ainda não estão seguros em relação à questão da privacidade em redes como o Facebook.

As desigualdades econômica e educativa têm um papel central, porque criam diferenças no acesso e na qualidade desse acesso, por isso a necessidade dessa literacia midiática, digital, literacia inclusive da língua nativa, do uso da rede e dos conhecimentos técnicos. Tudo isso influencia o modo como se acessa e se usa essas novas tecnologias.

Apesar do sonho e da esperança de alguns pensadores de que a tecnologia e a internet nivelariam o conhecimento, isso é utopia para a pesquisadora, porque antes disso já havia desigualdades a serem resolvidas. 

O livro é dividido em oito capítulos que podem ser lidos aleatoriamente e falam de questões como identidade (onde é discutido o conceito de construção da representação e da identidade nas redes e dos colapsos de contexto, quando algo postado há algum tempo é visto por uma nova audiência fora do contexto); privacidade (que discute o dilema entre ser condenado por publicar seus pensamentos ou por deixá-los privados só a um determinado público, como cuidar para não perder sua privacidade e ao mesmo tempo participar socialmente da rede, etc); dependência (como saber que estamos tendo uma relação exagerada com as mídias sociais, por que precisamos tanto delas, a dependência como narrativa moderna, se o fato da geração atual ter menos tempo para flanar nas ruas justifica uma maior relação com as redes, a aprendizagem do controle e das restrições, etc); perigos e predadores sexuais (que aborda o medo do assédio nas redes sociais, de onde ele vem, o medo como controle e mito (?), papel da tecnologia, comportamentos on e offline, etc), bullying (definição, relação de poder, ônus e bônus da visibilidade na internet:, etc); e a procura de um público próprio (liberdade de escolher seus espaços e estar com seus pares, seu público em rede, “ruas digitais”, ser público e estar em público, etc).


Outros dois capítulos tratam de desigualdade e literacia. A autora ressalta o quanto as tecnologias já foram consideradas uma tábua de salvação e possibilidade para que possamos transpor as diferenças culturais, como se a tecnologia por si só conseguisse resolver problemas que a sociedade cria e que são culturais. Na maior parte das vezes, porém, as tecnologias revelam e, por vezes, até reforçam essas questões ou fossos econômicos, sociais e culturais. Como cita a autora: “Os mesmos preconceitos que configuram os aspetos não mediados da vida quotidiana também moldam as experiências mediadas que as pessoas têm na Internet.” (Boyd, 2015, p.187). E ainda:

O preconceito, o racismo e a intolerância invadem tudo. Muitas das
divisões sociais que existem no mundo offline foram reproduzidas e,
em alguns casos, ampliadas, online. Essas divisões antigas moldam
a maneira como os adolescentes experimentam os media sociais e
as informações que se lhes deparam. Isso acontece porque, embora a
tecnologia permita realmente que as pessoas se liguem de formas
novas, também reforça as conexõe existentes. (Boyd, 2015, p.188).


E aqui nós lançamos uma pergunta que poderia ter sido explorada a título de busca de solução e não apenas de mostrar os problemas: como trabalhar de forma cidadã e proativa com as possibilidades que os meios e as tecnologias nos oferecem em busca de um desenvolvimento em nossas comunidades? Como alterar um contexto a partir da comunicação, das tecnologias? Se elas tornam visíveis todo o preconceito e racismo que existem offline, como usar seu poder mobilizador para que essas questões sejam discutidas e os direitos humanos e a cidadania sejam trabalhados com os adolescentes? Faz sentido dividir o mundo em on e offline?



Boyd tenta justificar também a ligação dos adolescentes com seus pares pela questão da homofilia ou a prática de estabelecer laços com quem pensa da mesma forma que nós. Não apenas isso. Muitos jovens ligam-se a outros que pertencem a seus grupos ou sua etnia, sua religião, sua nacionalidade, etc como uma forma de pertencimento e defesa. De que maneira, porém, pode-se usar as mídias sociais para sair dessa zona de conforto e debater a diversidade, o respeito ao outro-sujeito diferente de mim, mas com os mesmos direitos? Talvez as respostas fiquem para uma próxima pesquisa.



Boyd também levanta uma questão séria sobre a forma como as tecnologias são criadas e que, desde o seu processo inicial, já podem carregar consigo preconceitos, como por exemplo os dispositivos de captação de imagem, que foram criados em ambientes fechados e restritos e acabaram por ter dificuldade em captar a luz de pessoas com pele mais escura. Podemos falar de uma tecnologia preconceituosa? Vale o debate! A autora também ressalta a importância dos pares e das informações que circulam em rede ao moldar aquilo que sabemos. Daí a importância da literacia mediática, de se aprender a escolher, selecionar melhor os meios, as informações, as fontes.

Ainda nesse âmbito Boyd desconstrói um pouco a ideia de “Nativos Digitais” quando afirma que o fato dos adolescentes já terem desde cedo o contato com as mídias sociais não significar que eles tenham literacia mediática. E faz uma crítica ao termo quando esse acaba por “desresponsabilizar” de certa forma os adultos de educar os mais jovens, de incentivá-los, de implementar políticas públicas de literacia mediática ou de Educomunicação como se o fato deles terem nascido numa época em que as tecnologias já existissem, os tornassem naturalmente críticos ao que consomem ou os fizessem ter conhecimento suficiente dessas tecnologias.


Para Boyd (2015) “num mundo em rede, em que menos intermediários controlam o fluxo de informações e há mais informações a circular, a capacidade de questionar criticamente as informações ou as narrativas dos meios de comunicação social é cada vez mais importante” (p.212). 

Texto publicado em: Revista Passagens - v. 7 n. 1 (2016)

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