Manifesto Ubuntu para tempos conturbados

Por que sou Ubuntu, porque sou porque tu és, compartilho este manifesto, com o desejo de que possamos encontrar o equilíbrio e a reconexão!


Manifesto Ubuntu para tempos conturbados
Uma só família humana
Vivemos tempos turbulentos. As tensões multiplicam-se e alguns líderes comportam-se como incendiários. O poder das redes sociais multiplica exponencialmente o impacto de cada imagem, de cada palavra, de cada gesto. O medo insinua-se e traz consigo a irracionalidade do ódio. A “outrificação” aumenta, e conduz-nos à fácil desumanização de vários “outros”. Sentimo-nos confusos e temos um desconforto que nos atravessa.
Precisamos de assentar as nossas convicções, num terreno sólido face às tempestades e ter a coragem cívica de as afirmar. Precisamos de um manifesto para os nossos tempos.
Somos braços da mesma árvore
“Mandela divertia-se com o sentido literal das árvores genealógicas ocidentais. Na sua visão, somos todos braços da mesma grande árvore. Isso é ubuntu.”
Richard Stengel, in O legado de Mandela
1. Acreditamos no princípio fundamental da afirmação da igual dignidade de cada Pessoa e de todas as Pessoas. Essa igualdade é absoluta e incondicional, assim como o é o valor da vida. A ninguém, em nenhuma circunstância, lhe pode ser roubada e sempre que esta seja atacada, tal deve ser repudiado sem hesitação. Mas, mais do que isso, o atentado à vida ou a ferida à dignidade humana de qualquer pessoa diz-me respeito, toca-me. Por isso, somos chamados à ação para defender a vida e promover e restaurar a dignidade humana. Somos braços da mesma árvore.
2. Reconhecemos a diversidade humana como um dom. Acreditamos que a riqueza criativa que nos é proporcionada pela diversidade étnica, cultural, política ou religiosa constitui uma força que nos deve unir. Mas, em simultâneo, nunca esquecemos que partilhamos uma mesma natureza, que se sobrepõe a qualquer diferença. Acreditamos na unidade na diversidade. Somos braços da mesma árvore.
Não me falem de portugueses ou americanos. Falem-me do João e da Teresa, da Susan e da Mary
"Há portugueses pobres e portugueses ricos; portugueses que não sabem ler e portugueses de cultura; portugueses exploradores e portugueses explorados, portugueses cuja vida na América é uma miséria e portugueses que só na América encontram dignidade.​ Há americanos obtusos e americanos compreensivos, americanos que exploram o português e americanos que o ajudam, americanos que odeiam o português e americanos que o admiram, americanos estúpidos e americanos inteligentes.​
Não concluam, portanto, o que são os portugueses e o que são os americanos.​
Falem-me do João e da Teresa, da Susan e da Mary..."​
Pedro D´Orey da Cunha, Entre dois mundos
3. Temos presente o perigo de criar linhas que separam, categorias que nos arrumam ou dos estereótipos que nos habitam. Evitamos categorizar qualquer pessoa numa “história única”, consoante o grupo em que a colocamos. Queremos estar sempre abertos à riqueza de cada templo humano. Não me falem de portugueses ou de americanos. Falem-me do João e da Teresa, da Susan e da Mary.
4. Recusamos qualquer expressão de maniqueísmo, que rotule grandes grupos humanos, catalogando uns como “bons” e outros como “maus”. Qualquer generalização de uma qualidade ou defeito, associando-a a uma identidade coletiva, está errada. Não me falem de portugueses ou de americanos. Falem-me do João e da Teresa, da Susan e da Mary.
5. Acreditamos que cada pessoa é simultaneamente pertença e autonomia. Somos de pertenças múltiplas e temos uma autonomia em construção. É desse cruzamento que se faz a nossa individualidade, ainda que dentro de uma comunidade. Não me falem de portugueses ou de americanos. Falem-me do João e da Teresa, da Susan e da Mary.
A linha que separa o bem e o mal atravessa o coração de cada um de nós.
“Gradualmente foi sendo claro para mim que a linha que separa o bem e o mal, não passa entre Estados, entre classes, nem sequer entre partidos políticos – mas sim por cada coração humano. E em todos os corações humanos. Essa linha muda. Dentro de nós, oscila ao longo dos anos. E mesmo dentro de corações oprimidos pelo mal, existirá sempre uma réstia de bem. E mesmo no melhor de todos os corações, permanecerá um canto de mal.”
Aleksandr Solzhenitsyn, in Arquipélago de Gulag
6. Defendemos que todas visões que cristalizam no tempo a definição do carácter de uma pessoa, mesmo a partir de algo errado que fez, podem enganar-nos. Somos seres em permanente evolução e em nenhum de nós desaparece a possibilidade de fazer florescer o bem dentro de si. E em nenhum de nós desaparece o risco de errar. A linha que separa o bem e o mal atravessa o coração de cada pessoa.
7. Reconhecemos a complexidade e temos dúvidas. Sabemos que, tantas vezes, o que parece não é e que a verdade raras vezes é só uma. Por isso, devemos tardar em julgar e ainda mais em condenar definitivamente. Buscamos a compreensão tão completa quanto possível e nunca esquecemos que somos feitos de luz e sombra. A linha que separa o bem e o mal atravessa o coração de cada pessoa.
Não queremos ser julgados pela nossa cor de pele, mas pelo nosso carácter.
“Eu tenho um sonho de que um dia os meus quatro filhos vivam numa nação onde não sejam julgados pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter.”
Martin Luther King
8. Defendemos que ninguém pode ser julgado, nem ver os seus direitos e deveres minimizados ou abolidos, pela pertença a qualquer grupo étnico, político, religioso ou cultural. Nenhuma diferença nos pode diminuir. Não queremos ser julgados pela nossa cor de pele, mas pelo nosso carácter.
9. Acreditamos no princípio da equidade. Reconhecemos que existem desigualdades estruturais e individuais que devem ser tidas em conta e erradicadas, criando todas as condições necessárias para uma verdadeira e completa igualdade de oportunidades para todos. Não queremos ser julgados pela nossa cor de pele, mas pelo nosso carácter.
10. Acreditamos que a liberdade de cada a pessoa é um bem sagrado. Defendemos que nenhuma adversidade lhe deve retirar a consciência de que pode ser “senhor do seu destino / capitão da sua alma”. Mas com essa liberdade vem a responsabilidade do que fazemos e do que ignoramos. Não queremos ser julgados pela nossa cor de pele, mas pelo nosso carácter.
Precisamos de aprender a amar
Ninguém nasce a odiar as pessoas por causa da cor de sua pele, ou pelo seu passado, ou pela sua religião. As pessoas aprendem a odiar e, se elas podem aprender a odiar, elas também podem aprender a amar - já que amar é um sentimento que vem com mais naturalidade ao coração humano do que o seu oposto.
Nelson Mandela
11. Recusamos qualquer expressão de ódio e de violência, como forças motrizes da transformação social. O ódio desumaniza-nos e faz-nos olhar para o “outro” na categoria de “inimigo”, logo, menos humano. Não acreditamos que da violência nasça qualquer bem duradouro. Só a não-violência ativa, motivada pelo amor e no respeito até pelos nossos adversários, poderá trazer uma mudança justa e sustentável. Precisamos de aprender a amar.
12. Não ignoramos as feridas da herança de tantas ofensas à dignidade humana que o mundo conheceu. Da escravatura ao antissemitismo, da perseguição por razões políticas, religiosas ou ideológicas ao racismo, da violência de género à discriminação em função da orientação sexual, entre outras, temos uma herança pesada que, em alguns casos, está ainda muito presente entre nós. Precisamos de ter consciência de que há um longo caminho ainda a percorrer. Só quando descobrirmos em cada Pessoa um irmão, igual em dignidade e companheiro de construção de um futuro comum poderemos crescer em humanidade. Precisamos de aprender a amar.
Rui Marques
Presidente do Instituto P. António Vieira
Diretor da Academia de Líderes Ubuntu

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