Censura está na moda
Por Vera Magalhães (Estado de S.Paulo - 12/01/20120)
E logo na segunda semana da nova década, o Brasil voltou algumas para trás. Nos vimos de novo diante de uma discussão que parecia saída dos porões da ditadura nos anos 1970, quando burocratas decidiam que novelas, peças teatrais ou músicas poderiam ser veiculadas de acordo com circunstâncias políticas, religiosas ou morais.
Mais esse retrocesso não é algo fortuito, ou descontextualizado. Ele se insere no espírito do tempo do bolsonarismo, em que a ascensão de uma elite que teima em bater no peito para se dizer conservadora, quando é apenas reacionária e preconceituosa, permite a pessoas como o desembargador Benedicto Abicair, que já trazia esses fantasmas em sua alma antes da nova era, colocá-los para fora em forma de decisão judicial, uma vez que agora há “mercado” para isso.
É a tal “normalização” de uma série de condutas que a polidez civilizacional mantinha enrustidas até pouco tempo. Eu odeio esta palavra e acho que ela virou um daqueles curingas que a esquerda saca da manga toda vez que não consegue fazer uma autocrítica quanto aos próprios vícios, que permitiram que essa direita reacionária saísse da toca e galgasse o poder.
Mas, de fato, há uma leniência cada vez maior da sociedade com decisões, opiniões e atos que investem deliberadamente contra conquistas sociais, históricas e culturais que vieram a partir da redemocratização.
Direitos que levaram tanto tempo para ser estabelecidos, mas que podem desaparecer num par de anos, caso a sociedade e as instituições não percebam a corrosão rápida do tecido democrático que se dá a partir do Executivo e se espraia pelos demais Poderes, encontra ecos até no Ministério Público, contamina setores da classe artística e aparelha, às avessas, máquinas que antes serviam à agenda da esquerda.
Existe um fator muito poderoso nessa estratégia que tem o condão de potencializá-la: a presença cada vez maior da questão religiosa no debate público. Bolsonaro passou da constante citação a trechos da Bíblia para uma indisfarçada coalizão cristã de governo.
A parceria para a viabilização do Aliança pelo Brasil está sendo paga pelo presidente em forma de promessas de prorrogação de benefícios fiscais já existentes e da concessão de novos, como o escandaloso subsídio de energia para grandes templos, que vem sendo estudado à revelia da equipe econômica.
O proselitismo religioso sem disfarces a que o presidente e seus auxiliares se dedicam vai contaminando todas as esferas decisórias do governo, da política cultural a discussões vitais como o uso do canabidiol para fins medicinais, passando até pela discussão sobre a liberação ou não de jogo de azar no território nacional. Temas que deveriam ser decididos a partir de estudos de viabilidade jurídica, impacto econômico e outros fatores racionais viram debate de porta de igreja.
Diante deste quadro, não é de espantar que um desembargador “terrivelmente cristão” se julgue investido da missão divina de “acalmar” a sociedade, algo que certamente não consta de nenhum código que ele deve ter no gabinete para embasar suas decisões.
Que o presidente e seus principais auxiliares não abram a boca para condenar a censura escancarada a um produto cultural funciona como combustível do incêndio das garantias a que assistimos.
Desta vez coube ao STF colocar a focinheira nos dentes arreganhados do autoritarismo que espreita o País. Que sirva de lição aos ministros daquela Corte de algo que há muito se alerta: cabe a eles serem os bastiões da Constituição, e não mais um fator de instabilidade, como vêm sendo em muitos episódios recentes. É quando a democracia está em xeque que o vigor das instituições é testado.
É a tal “normalização” de uma série de condutas que a polidez civilizacional mantinha enrustidas até pouco tempo. Eu odeio esta palavra e acho que ela virou um daqueles curingas que a esquerda saca da manga toda vez que não consegue fazer uma autocrítica quanto aos próprios vícios, que permitiram que essa direita reacionária saísse da toca e galgasse o poder.
Mas, de fato, há uma leniência cada vez maior da sociedade com decisões, opiniões e atos que investem deliberadamente contra conquistas sociais, históricas e culturais que vieram a partir da redemocratização.
Direitos que levaram tanto tempo para ser estabelecidos, mas que podem desaparecer num par de anos, caso a sociedade e as instituições não percebam a corrosão rápida do tecido democrático que se dá a partir do Executivo e se espraia pelos demais Poderes, encontra ecos até no Ministério Público, contamina setores da classe artística e aparelha, às avessas, máquinas que antes serviam à agenda da esquerda.
Existe um fator muito poderoso nessa estratégia que tem o condão de potencializá-la: a presença cada vez maior da questão religiosa no debate público. Bolsonaro passou da constante citação a trechos da Bíblia para uma indisfarçada coalizão cristã de governo.
A parceria para a viabilização do Aliança pelo Brasil está sendo paga pelo presidente em forma de promessas de prorrogação de benefícios fiscais já existentes e da concessão de novos, como o escandaloso subsídio de energia para grandes templos, que vem sendo estudado à revelia da equipe econômica.
O proselitismo religioso sem disfarces a que o presidente e seus auxiliares se dedicam vai contaminando todas as esferas decisórias do governo, da política cultural a discussões vitais como o uso do canabidiol para fins medicinais, passando até pela discussão sobre a liberação ou não de jogo de azar no território nacional. Temas que deveriam ser decididos a partir de estudos de viabilidade jurídica, impacto econômico e outros fatores racionais viram debate de porta de igreja.
Diante deste quadro, não é de espantar que um desembargador “terrivelmente cristão” se julgue investido da missão divina de “acalmar” a sociedade, algo que certamente não consta de nenhum código que ele deve ter no gabinete para embasar suas decisões.
Que o presidente e seus principais auxiliares não abram a boca para condenar a censura escancarada a um produto cultural funciona como combustível do incêndio das garantias a que assistimos.
Desta vez coube ao STF colocar a focinheira nos dentes arreganhados do autoritarismo que espreita o País. Que sirva de lição aos ministros daquela Corte de algo que há muito se alerta: cabe a eles serem os bastiões da Constituição, e não mais um fator de instabilidade, como vêm sendo em muitos episódios recentes. É quando a democracia está em xeque que o vigor das instituições é testado.
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