Entrevista com Adilson Citelli analisa imagem do professor na mídia
Organizado pelo professor Adilson Citelli, do Departamento de Comunicações e Artes (CCA), o livro Educomunicação: imagens do professor na mídia, traz contribuições de oito pesquisadores, entre mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM): Ana Luisa Zaniboni Gomes, Helena Corazza, Maria do Carmo Souza de Almeida, Michel Carvalho da Silva, Elisangela Rodrigues da Costa, Sandra Pereira Falcão, Rogério Pelizzari de Andrade e Eliana Nagamini. O livro será lançado na 22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no dia 11 de agosto, às 16h. Mais informações aqui.
Citelli concedeu entrevista exclusiva para o LAC. Leia abaixo:
LAC: O tema discutido no livro é pioneiro na área?
Diria que no Brasil é um tema bastante pioneiro. Eu, pelo menos, nunca vi nada do gênero mesmo tendo efetuado bastantes pesquisas. Não conheço livros que tenham tratado de forma tão sistemática a construção da imagem pública do professor. O livro é uma pequena colaboração para a área, há muita coisa a ser desenvolvida. Ao terminar o livro notamos que ainda temos algumas coisas a serem tratadas de uma maneira mais sistemática, digamos assim. Mas, enfim, creio que o material tem um caráter pioneiro sim.
LAC: Esse livro faz parte de uma coleção?
Esse é o terceiro volume da coleção Educomunicação. Tem um quarto volume em processo de produção e estamos também trabalhando em um quinto. Eu fiz o primeiro volume com a professora Cristina Costa. O segundo é do professor Ismar de Oliveira e o quarto é uma coletânea de autores internacionais que o professor Ismar está organizando.
LAC: Qual é principal objetivo do livro?
O objetivo do livro é divulgar os estudos que inter-relacionam comunicação e educação. Há 20 anos temos no CCA a revista Comunicação e Educação. A revista tem cumprido um papel significativo. A professora Cristina e eu somos os editores da revista, que a editora Paulinas vem publicando já há alguns anos. Mas queríamos com esse livro densificar esse debate, dar um peso maior aos trabalhos que são feitos aqui na ECA, dentro ou fora do Departamento. O Departamento tem representado um papel muito importante na área de Educomunicação, há vários pesquisadores que estão se dedicando a isso há muitos anos. O livro tem o sentido de colocar em movimento esse material dessa área bastante forte e emergente, que tem como canal a revista e, agora, essa série de livros.
LAC: Quanto tempo levou para finalizar o projeto?
Para fazer a pesquisa especificamente desse livro, que é de um grupo de pesquisa do Departamento, nos dedicamos a esse tema nesse último ano, um ano e meio, para verificar, fazer um levantamento, uma pesquisa de como o professor, sobretudo do ensino médio, é mostrado nos meios de comunicação. Qual o processo de representação do professor na televisão, no rádio, etc., que imagem pública tem sido construída, porque a mídia vai também formalizando e sedimentando uma certa imagem pública desse professor. No Brasil estamos mais ou menos na ordem de 1,3 milhão professores e, no estado de São Paulo, em torno de 270 mil. É um mar de gente, que aparece aqui e acolá na TV, no rádio. Como aparece? Que tipo de construção social nós vemos ou lemos? Como tenho um grupo de mestrandos e doutorandos que tem trabalhado nessas áreas conexas, apresentamos no congresso da Intercom, realizado no ano passado, em Recife, o resultado dessa inverstigação. Aí, maturamos esses textos que foram apresentados e, durante esse ano, trabalhamos e buscamos mais dados e informações, e o resultado final é o que o leitor lerá nesse conjunto de textos que aí estão.
LAC: O senhor acha que esse livro e a coleção como um todo é destinado à área acadêmica apenas ou para professores?
Há essa dupla preocupação. Entendemos que uma coisa depende diretamente da outra. Ou você dialoga com o sistema educacional vivo que existe, dialogamos a partir da ótica dos comunicadores, olhamos esse sistema na sua integralidade, nas suas complexidades, dificuldades, ou vamos ficar num discurso teórico, um pouco vazio. A coleção apresenta livros que têm ora uma tendência um pouco mais de organização de pesquisas conceituais, mas, também, textos ou livros que se voltam mais para o sistema educacional. Esse livro, seus textos podem perfeitamente ser lidos e discutidos pelos colegas do ensino fundamental e médio, porque diz respeito à realidade deles. Se a mídia vitimiza o professor, se a mídia cria expedientes estereotipados e preconceituosos, é ele que está sofrendo isso no seu cotidiano. Então temos que conversar com eles.
LAC: O livro traz esse panorama de como os meios de comunicação representam a imagem do professor. Esse panorama foi positivo ou negativo?
Não trabalharia com essas categorias muito polares, mas diria que, no geral, essa composição de imagens é muito problemática. Primeiro problema: você raramente encontra voz de professores em matérias nos jornais, na televisão e no rádio. O jornalista vai fazer uma matéria sobre educação, seria de se esperar que ouvisse os professores e isso raramente acontece. Existem três ou quatro grandes modelos de apresentação da imagem do professor nos grandes meios de comunicação. Primeiro: há uma imagem muito negativa, na qual estamos falando de um sujeito absolutamente desinteressado, de alguém que não tem mais vontade de mexer com o mundo da educação. É algo que foi traduzido durante um certo tempo e vem sendo traduzido numa máxima, segundo o qual o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende. E aparece muito isso, essa ideia que o professor é malformado, a ideia que o professor está pouco envolvido com o trabalho cotidiano, a ideia de que ele não se preocupa em mudar seus procedimentos, que ele não se preocupa em ir atrás das tecnologias para tornar a sala de aula um pouco mais dinâmica. Há um segundo movimento que é já de uma espécie de estereótipo, de um modelo de professor. Isso parece muito em campanhas publicitárias. Temos no livro um texto que trata desse assunto. A personagem do professor na publicidade carrega uma imagem com ela, em geral é um tipo de professora, por exemplo alguém de meia idade, que pode usar avental branco, geralmente tem óculos, uma espécie de desenho cenográfico de construção de personagem que já está bastante amadurecido no imaginário popular. Outra imagem comum do professor nas campanhas publicitárias é a de um tipo fisicamente mais acabado, que está numa posição de quem tem um domínio absoluto sobre as coisas. Há uma presença constante de uma espécie de vitimização do professor, um cara que está com um problema danado, ganha mal, viaja longos percursos para dar uma aula, é objeto de toda sorte de violência social, é uma espécie de vítima permanente de um sistema que parece que não quer mudar. Há composições de tipos muito variados. Por exemplo, é muito comum ver o professor como uma personagem que já não faz parte de uma editoria de educação, mas de uma editoria de polícia. Há um mundo de violência e parece que o professor habita esse mundo. Isto é muito interessante, porque se formos olhar como esse processo se deu no Brasil, o jornal, como ele se posicionava diante do tema de educação? No passado, os jornais brasileiros tinham sessões de educação inteiras, como tem economia hoje. A Folha de S. Paulo, por exemplo, tinha uma cobertura muito forte feita pelo Perseu Abramo e outras pessoas que tinham um vínculo muito forte com a questão da educação. Se pegar o caso da Folha, observa-se que o jornal foi, progressivamente, ao passar dos anos, abandonando essa área e, hoje, onde é que se lê sobre educação? Se lê em um editorial, eventualmente, ou quase sempre em cadernos que tratam de polícia, violência. Falamos tanto de educação, diz-se que o que vai salvar o país será a educação, que o curso do Brasil se deve ao problema da educação, que o país não supera suas dificuldades por causa da educação. Então a palavra educação, se você for jogar dentro de um buscador, talvez seja uma das que mais apareça. Mas, quando você olha a tradução objetiva disso nos meios de comunicação é muito ruim no geral. Não estou dizendo que não haja uma ou outra, mas, no geral, é muito ruim o que se vê, é um paradoxo. Desse ponto de vista houve uma regressão.
LAC: Entre os meios de comunicação que vocês analisaram, qual se mostrou mais abrangente, que possui mais conteúdos para ser estudado? Ou eles se igualam?
Os jornais são os que mostram mais esse assunto, como é o problema. Uma ou outra revista traz esse assunto, mas de uma maneira complicada. Essas revistas semanais praticamente entregaram o tema da educação aos economistas. Até brinco dizendo que a educação virou um tema de “econometria”. Você lê matérias que são sempre cálculos, estatísticas, com propostas mirabolantes como a da aula cronometrada. É possível ainda que os jornais são os que mais tratem esse assunto, da maneira como estamos colocando aqui. Por exemplo, ao longo de um ano inteiro aparecem quatro ou cinco editoriais ligados a alguma coisa da educação, sendo uma notícia ligada a casos policiais ou não. Creio que, quantitativamente, ainda os jornais são aqueles que mais tratam do tema.
LAC: E porque pesquisar a maneira como os meios de comunicação representam os professores? Quando começou a surgir esse questionamento?
Imagino que tenhamos uma espécie de triângulo das bermudas na educação brasileira. Esse triângulo das bermudas está representado em um dos seus vértices por problemas de infraestrutura, que são questões de ordem econômica, algumas até de natureza sindical. O segundo vértice desse triangulo é relacionado à formação propriamente desse professor, seja essa a sua formação inicial, seja na sua formação continuada. E o terceiro desses elementos é uma questão de autoestima do próprio professor, que vai sofrendo com todos esses processos sociais, vai tendo sua profissão desvalorizada. É só um problema profissional? Mas o problema profissional está contaminado pelos dois outros vértices desse triângulo, é um problema de infraestrutura, de situação econômica. E quando você vai ver, um dos elementos dessa autoestima é a imagem que se projeta socialmente de alguém. Se a imprensa, se a comunicação tem uma responsabilidade social, no sentido de dar uma resposta social, tem que ter um tipo de diálogo com a sociedade, tem que ter esse pacto de referências informacionais com seus ouvintes, leitores ou espectadores. Se um dos elementos que forma a base desse processo, os profissionais que tocam essa máquina gigantesca chamada sistema de educação brasileiro, recebem um tratamento que não é o melhor para sua autoestima, preciso verificar o que está acontecendo.
LAC: Qual o papel da mídia na criação do estereótipo de professor?
A imprensa brasileira involuiu. A cobertura que era dada à educação pelos jornais era enorme. Mas, à medida que a palavra educação foi ganhando dimensão, a cobertura foi se apequenando, se tornando superficial.
LAC: Seria um círculo vicioso: má formação de professores, de alunos ou da sociedade?
Exatamente. A minha preocupação é que se você vai baixando o nível de autoestima, de autovalorização, esses grupos param de pressionar quem é o primeiro produtor desse desarranjo inteiro. Observe que nos anos 80 e 90 havia muitos movimentos de professores da rede pública fazendo greve, exigindo coisas, indo ao palácio do governo. Mas, o tempo e a falta de respostas e incentivos têm tornado isso tão penoso que tenho a impressão que isso culminou na luta impeditiva da construção propriamente da luta de classes. Eu não tenho visto mais professores em movimento como havia antes.
LAC: Que papel a comunidade USP, como um todo, tem na formação desses estereótipos?
Estamos fazendo uma coisa que é contradiscursiva, estamos trabalhando contra o discurso, levantando os dados e mostrando que não é bem assim. Há um levantamento de dados e uma interpretação desses dados, no caso meios de comunicação, que não correspondem necessariamente ao cotidiano e a vida real desses professores. Imagino que o problema não esteja aqui. Acho que as pessoas que estão na USP têm consciência desses fatos, desses eventos. O pessoal da Faculdade de Educação, por exemplo, está o tempo inteiro trabalhando com isso. Eu mesmo acabo de vir de um congresso de educação na Unicamp em que esse assunto foi largamente discutido. Penso que a USP tem feito um trabalho muito positivo no sentido de valorizar esse professor, seja através dos cursos que são ministrados aqui para a formação desses docentes, como as licenciaturas que existem na História, na Geografia, na Física, em todos os lugares. Até mesmo nós, da ECA, temos nossos cursos onde há a licenciatura, como o da Educomunicação, o das Artes Cênicas e das Artes Plásticas, ou seja, é um esforço que se faz para formar quem trabalha com educação. Quanto ao problema de formação é garantir uma qualidade formativa para que a Universidade mantenha padrões de qualidade para poder formar os futuros formadores de uma maneira séria. Nesse quesito há um problema sério. Imagine um colega do curso de Física, que se formou aqui, na USP, e foi aprovado em um concurso para dar aulas na rede pública. Esse moço ou essa moça que ainda estão bem dispostos são colocados para dar aula em uma escola muito distante de sua residência . Aí ele começa a fazer as contas e descobre que o salário mal vai dar para pagar o transporte. Então, é muito comum que este moço, com uma excelente formação, que poderia ser um indutor de transformações importantes, no sexto, sétimo ou oitavo mês da jornada peça demissão. Muitos já fizerem isso. De alguma maneira a USP cumpre a sua função neste caso, pois ela forma com qualidade as pessoas. O problema que existe é pós-formação, ele existe lá na frente, essa é uma questão problemática. A outra, que é a constituição da imagem desse profissional, problema que discuto com os meios de comunicação.
LAC: O senhor acredita que seja por isso que os docentes acabam optando por dar aulas nas escolas particulares?
Uma parte vai para as escolas particulares porque há a possibilidade de ganhar duas, três, até mesmo quatro vezes o que ele ganhava na rede pública, além de ter uma infraestrutura melhor. Ou vai para outras áreas de trabalho. Hoje, na rede pública de ensino do Estado de São Paulo deve haver aproximadamente 65% ou 70% de falta de professores para disciplinas como química, física e matemática. O que se percebe é um sujeito que fez uma área conexa, às vezes nem conexa a essa área, que está dando a matéria. É um professor de história, mas eventualmente sabe um pouco mais de matemática e está tentando cobrir essa deficiência de docentes. O que, aliás, vai contra a Constituição Federal, que diz que nenhum funcionário pode ter desvio de função. A educação é um setor importante, contudo é um setor onde se pode ter desvio de função e ninguém reclama. Gostaria de saber realmente porque essa prática não é considerada desvio de função. Por quê? É a pergunta que, infelizmente, permanece sem resposta.
por Bruna de Alencar e Flávia Luz
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