Biblioteca: seja bem-vindo


Biblioteca + Escola + Mídia. Que combinação é essa? Compartilhamos entrevista feita pela RevistaPontoCom para reflexão!
“O papel do bibliotecário é acima de tudo incentivar as práticas de trabalho voltadas para a formação do público leitor, lutando para transformar o aluno em um adolescente/adulto leitor. Ele é um mediador de leitura, já que instiga no aluno o desejo pelo livro, e ajuda a desenvolver a capacidade informacional do aluno dentro do ambiente escolar”, destaca Marília Dias.
Marília Dias adora livros. O gosto é tão grande que ela trabalha diretamente como eles. Seguiu a carreira de biblioteconomia e desde então resolveu trabalhar em bibliotecas escolares. Sua paixão é uma só: conquistar a atenção de professores e alunos e incutir-lhes  o gosto pela leitura e, consequentemente, pela escrita.
Para isso, ela não para de pensar e redigir projetos. Acredita que a sua função soma-se à do professor no sentido de oportunizar aos estudantes a entrada no mundo da leitura. Em entrevista à revistapontocom, Marília ressalta a importância dos bibliotecários, da tecnologia no dia a dia e da democratização dos espaços.
Acompanhe:
revistapontocom – Qual é a função da biblioteca escolar?
Marília Dias – A biblioteca escolar tem algumas funções, todas importantes: acompanhar o aluno e o professor durante o processo educacional fornecendo material complementar e, permitir que eles tenham, dentro do ambiente escolar, um local para ler e fazer trabalhos, oferecendo farto material para pesquisa, à disposição em tempo integral. Além disso, é também papel da biblioteca trabalhar no aluno o gosto pela leitura, o prazer pelo conhecimento e pela arte. A biblioteca escolar é a terceira grande oportunidade de o ser humano se familiarizar com o conhecimento, esteja ele em qualquer suporte. A primeira é a família, por ser a primeira fonte de informação que todos nós temos. É na família que começamos a coletar histórias, explicações sobre o mundo à nossa volta e, se for uma família onde a leitura seja valorizada, ela será a semente que vai germinar um futuro leitor. A segunda oportunidade é a escola. No momento em que o aluno começa sua vida acadêmica, ele une duas oportunidades numa só. Infelizmente, ainda é comum no Brasil a biblioteca escolar funcionar como único meio de contato do aluno com os livros. Se forem bem aproveitadas e fizerem um bom trabalho de acompanhamento dos alunos, as bibliotecas podem realmente vir a fazer a diferença na vida intelectual da criança.
revistapontocom – Mas num mundo midiático, ainda há espaço para a biblioteca?
Marília Dias – Não somente há espaço, como um desejo muito grande dos bibliotecários de que a tecnologia venha a fazer parte do dia a dia das bibliotecas de todo o país. É inegável que toda biblioteca que conta com investimento maciço em modernização oferece um trabalho muito melhor ao seu público, que tem acesso a dados atualizados e pode acompanhar pesquisas em andamento. Para os alunos, o computador é um diferencial muito grande, pois além do uso para digitação ele pode levar para a realidade escolar o blog mantido por ele, o site de pesquisas que ele conhece ou mesmo montar projetos de estudo baseados em material colhido na internet. Para o bibliotecário, a internet é inexplicável. Esta se mostrou ser para nós, eternos pesquisadores, uma ferramenta de trabalho extremamente rica. Hoje os bibliotecários trabalham conectados, através das listas de discussão e dos sites especializados em biblioteconomia. As bibliotecas que pertencem a organizações e que conseguem se conectar umas às outras facilitam muito a pesquisa do usuário. Um exemplo muito bem sucedido desta conexão é o trabalho da Universidade Cândido Mendes. Todas as bibliotecas da instituição estão conectadas e têm link direto para pesquisa no acervo no site da universidade. O aluno que mora na Baixada Fluminense, por exemplo, pode acessar, de casa, o link da biblioteca e verificar em qual unidade tem o material que ele precisa, bem como a disponibilidade para empréstimo. Isso antes da era digital era impensável. Já trabalhei em bibliotecas tradicionais: sem computador, só com máquina de escrever (que eu usei, em 2004!) e fichinhas de papel. Assim que saí dali fui para outra totalmente informatizada, não tinha uma ficha sequer, tinha setor reservado para pesquisas na internet e muitos materiais multimídia. Era outro mundo. Ninguém acreditava como era o meu cotidiano anterior, achavam que eu estava brincando. Quando você tem acesso à tecnologia todo o trabalho se torna mais fácil e rápido: se for um usuário, você encontra material mais rápido. Se for um funcionário, você tem a possibilidade de alimentar e corrigir a base de dados durante todo seu expediente. Ainda consegue esclarecer dúvidas sobre catalogação no site da Biblioteca Nacional, o que para nós é essencial.
revistapontocom – Como a escola pode e deve promover o bom uso da biblioteca por parte dos alunos/estudantes?
Marília Dias – Para a promoção do uso da biblioteca é essencial que a biblioteca trabalhe aliada à equipe docente e pedagógica. O professor nesse momento é o maior aliado do bibliotecário: cabe a ele incentivar o aluno em sala de aula para que ele vá à biblioteca ler, pesquisar, navegar na internet da forma correta, sem perder tempo em sites ruins. Na escola em que trabalho, o Instituto Elo de Educação, as professoras têm uma parceria muito boa com a biblioteca: incentivam os alunos a ler e todas as semanas. Os alunos – da Educação Infantil ao 5º ano – têm que ir à biblioteca para pegar algum livro e levar para casa. Faço muitas atividades com os alunos também: só para este ano tenho 15 programadas. Com o apoio das professoras e da coordenação, realizo oficinas de restauração de livros danificados com os alunos, contação de histórias, confeccionamos livros de acordo com a vontade do estudante, fazemos sessões de leitura e brincadeiras educativas, bem como uma exposição literária com livros e músicas criados pelos alunos na Semana Literária da escola. Levar o aluno para a biblioteca em horários vagos também é muito importante, faz com que ele ande pelo acervo sem obrigação nenhuma, lendo o que quer, navegando na internet, fazendo desenhos no paint ou simplesmente sentado nas almofadas, deitado no meio dos livros. Este contato é muito bom para eles.
revistapontocom – Mas como fazer isso se, de acordo com algumas pesquisa, o Brasil possui poucas livrarias, poucas bibliotecas?
Marília Dias – Realmente, faltam livrarias, sebos, projetos de incentivo à leitura e à escrita e pior:  faltam bibliotecas, assim com bibliotecários. Muitas bibliotecas estão dentro de organismos fechados (como escolas, empresas e instituições), disponíveis somente para quem faz parte destes organismos. E elas se tornam invisíveis à população. Mas percebo que ultimamente vêm aumentando muito o número de projetos relacionados à expansão da leitura no Brasil. Pesquisa do MEC realizada na rede pública de Ensino Fundamental, em 2003, destacou que de 149.968 escolas públicas, somente 34.307 tinham biblioteca. E pouquíssimas com bibliotecário, pois o mais comum é um professor readaptado (deslocado de função em virtude de aposentadoria ou incapacitado para dar aulas) assumir a função. Mesmo nas bibliotecas existentes, com raras exceções, as condições de trabalho e do acervo são péssimas. Para este ano, o  governo resolveu destinar mais verbas para os municípios com bibliotecas, mas mesmo assim o número de bibliotecas ainda é muito baixo. Tentando mudar esta situação, o governo vem investindo em projetos de valorização da leitura nas escolas, como o Plano Nacional Biblioteca na Escola, que visa enviar livros para a biblioteca escolar. Há outros programas também, como o PROLER. Só falta agora capacitar os profissionais da educação para dar continuidade ao processo de uso dos materiais. Na iniciativa privada existem projetos incríveis. Acredito que o Rio de Janeiro seja o maior incentivador da leitura em comunidades carentes.Um bom exemplo é a história de vida do pedreiro sergipano Evandro dos Santos. Ele só aprendeu a ler com 19 anos de idade. Mas hoje tem uma biblioteca – com projeto arquitetônico cedido gratuitamente pelo Oscar Niemeyer – com 40 mil volumes. Ele dá palestras até em faculdade sobre a importância da leitura e já mandou mais de 7 mil livros para o nordeste. Em Niterói, há um projeto de distribuição de livros dentro do terminal João Goulart, chamado Espaço Livro em Movimento, onde você pode entrar, pegar o livro que quiser, ou doar o livro que quiser. Existem muitos projetos pelo Brasil, o que falta é incentivo para que se estendam. O brasileiro lê pouco na maior parte das vezes por absoluta falta de acesso à leitura.
revistapontocom – Qual é o papel da bibliotecária(o) nos dias de hoje? Parece-me que é cada vez mais de mediador, de provocador, de instigador? Seria o mesmo papel do professor?
Marília Dias – O papel do bibliotecário é um e o do professor é outro. Um professor não substitui um bibliotecário e vice-versa. Eles devem trabalhar em conjunto. Hoje, o papel do bibliotecário é acima de tudo incentivar as práticas de trabalho voltadas para a formação do público leitor, lutando para transformar o aluno em um adolescente/adulto leitor. Ele é um mediador de leitura, já que instiga no aluno o desejo pelo livro, e ajuda a desenvolver a capacidade informacional do aluno dentro do ambiente escolar. Cabe também a este profissional equipar a biblioteca com a maior variedade possível de materiais no acervo e cuidar para que todo o corpo docente e discente o utilizem. O bibliotecário conhece sites, jornais, documentários e muitos outros materiais que facilitam o trabalho de ensino do professor.
revistapontocom – Na sua biblioteca, o que mais é lido pelas crianças e jovens?
Marília Dias – Crianças têm fases de leitura, se é que se pode falar assim. Quando são muito pequenas, por volta dos 2/3 anos, adoram livros de pano com desenhos simples. Quando alcançam os 4 anos, começam a demonstrar mais interesse por livros com historinhas cujas imagens lhes chamem a atenção. Por isso é essencial dar a elas livros com pouco texto e muitas figuras. Contos de fadas que elas já tenham ouvido são ótimos para incentivar a leitura. Aos 6 anos, elas começam a procurar livros cuja história, conteúdo  lhes chame atenção. Por mais incrível que possa parecer, as minhas demonstram uma certa preferência por histórias com bruxas, fantasmas e que brinquem de forma bem humorada com o medo. Os jovens seguem uma tendência mundial: adoram Harry Potter e livros como os da Thalita Rebouças. Mas algo parece ser comum neles todos: gostam de bons livros. E cada aluno tem que ser observado e acompanhado para que o bibliotecário saiba valer duas leis da biblioteconomia: a cada livro o seu leitor e a cada leitor o seu livro. Começamos no ano passado um trabalho intenso de incentivo à leitura aqui na escola, com os alunos da Educação Infantil ao 5° ano.
revistapontocom – Neste ano, que projeto você vai desenvolver?
Marília Dias – No Instituto Elo de Educação, será implantado um projeto de incentivo à leitura e à escrita, chamado “Exercendo o Talento”, que visa incentivar os alunos a desenvolverem seus talentos, seja escrevendo, desenhando ou compondo. Temos alunos que escrevem muito bem e têm o desejo de publicar seus textos, mas alguns não sabem como desenvolver seus talentos muito bem, nem conhecem o processo de criação e edição do livro. Para isto, teremos esclarecimentos de autores como Pedro Bandeira, João Carlos Marinho, Rogério Andrade Barbosa e Thalita Rebouças. Temos palestras planejadas como o autor niteroiense Emerson Rios e o dono da editora NitPress, Luiz Augusto Erthal. Já para esclarecer os alunos participantes do projeto sobre inspiração e criação teremos alguns músicos ajudando, como o Hyldon que me deu várias ideias para o projeto e se propôs até a dar um depoimento filmado para mostrar aos alunos. Este projeto vai durar o ano todo e culminará com a impressão na escola do material produzido pelos alunos e irá aproximá-los mais ainda do universo da cultura, através da biblioteca. Tenho sorte de trabalhar numa escola que incentiva as artes, a música e a permanência dos alunos na biblioteca.
revistapontocom – E ao mesmo tempo você desenvolve duas pesquisas sobre o papel da biblioteca?
Marília Dias – Sim. Faço duas pesquisas diferentes: pesquiso sobre a realidade das bibliotecas escolares no Brasil junto a uma aluna da UFF, Natalia Caetano, que também se interessa pelo tema, e pesquiso sobre a influência nos leitores dos trabalhos realizados nas bibliotecas. Infelizmente, mais de 15 milhões de alunos estão excluídos do uso das bibliotecas. Descobri, por exemplo, que o estado de Sergipe não tem o cargo de bibliotecário no quadro de profissões do governo. Resultado: as bibliotecas do governo de lá não tem bibliotecários, só auxiliares e professores. Aí fica difícil… Os profissionais envolvidos com projetos educacionais têm lutado muito pela contratação de bibliotecários. São essas situações que encontramos no Brasil. Enquanto outros países investem em capacitação e infraestrutura, o Brasil ainda pensa como fazer sua população ler! Mas creio que isto mude nos próximos anos. Em 2010, foi sancionada a Lei 12.244, que obriga todos os estabelecimentos de ensino público e privado do país a terem bibliotecas com bibliotecários formados, administrando-as num prazo máximo de 10 anos. Isto levou a uma melhora significativa no quadro de trabalho dos bibliotecários, pois as escolas estão tendo que se adaptar à lei contratando-os. Se cada um fizer sua parte: escola, cidadãos e governo, os próximos anos terão uma realidade nova. Vi hoje um cartaz de incentivo à leitura destinada às crianças conclamando os pais a incentivá-las. É deste tipo de ação que o Brasil precisa.
Fonte: RevistaPontoCom

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