O que os games têm a ensinar aos alunos
No primeiro dia de aula, os alunos são surpreendidos pela visita
dos fantasmas do Museu Nacional de História Natural de Nova York. Os seres do
outro mundo estão brigando nos porões do museu porque não conseguem se acertar
quanto aos detalhes da Guerra da Independência americana. Colonos, ingleses e
escravos têm pontos de vista diferentes sobre o tema e precisam que os alunos
da Quest to Learn, escola pública de NY, os ajudem a resolver o
conflito.
Na escola,
criada pelo Institute of Play (ou Instituto do Jogar, em tradução
livre), todos os conteúdos são passados aos estudantes por meio de games. Os
cerca de 360 alunos do 6o ao 9o ano aprendem não só jogando, mas também desenvolvendo
estratégias e criando seus próprios jogos. A escola, que faz parte de rede
pública da cidade, é chamada de escola do futuro e vive com os mesmos recursos
que as demais, contando apenas com oito profissionais extras contratados pelo
instituto, especialistas em games e em currículo, que dão suporte aos professores
da escola.
O instituto, fundado em 2007 por desenvolvedores de games
comerciais, é uma organização sem fins lucrativos que acredita que, por meio
dos jogos, pode “mudar a forma como as pessoas se relacionam com o mundo a sua
volta”. Uma das especialidades do grupo – que atua não só com crianças,
mas também com adultos e em plataformas on-line – é trabalhar games e
avaliação, entendendo como os mais populares jogos comerciais criam poderosos
ambientes de aprendizagem e ferramentas que podem ajudar nas avaliações de
desempenho dos usuários.
Divulgação/ Institute of Play |
Que tipo de habilidades os
jogos desenvolvem nas pessoas e por que eles podem melhorar o nosso
relacionamento com mundo?
Uma das coisas mais poderosas que os jogos desencadeiam é o
status de jogador. Como se fosse mágica, o “se sentir um jogador” empodera as
pessoas que passam a correr riscos que não correriam na vida real. O medo de
falhar não é um problema no jogo. Outra coisa interessante é o fato de o jogo passar
uma sensação bem concreta do que é um sistema, de como operá-lo, e ainda de
como tomar decisões e transformar o sistema.
E como o instituto foi fundado?
Os fundadores eram do Game Lab, uma empresa de design de games
comerciais, e queriam algo mais social. Kate Salen, umas das fundadoras e
autoras de diversos livros e artigos sobre games, tinha passado seis anos
acompanhando os estudos da Fundação MacArthur sobre como a mídia digital
influenciava o aprendizado e a forma como isso impactava na interação desses
jovens com o mundo. As pesquisas levantaram muitas descobertas, entre elas a
noção de que, para saber se o estudante ia se dar bem na escola, era necessário
saber o quanto seus interesses ou paixões recebiam apoio para se traduzir em
ações válidas. Em outras palavras, como a paixão de um aluno por culinária pode
ajudá-lo a aprender mais na escola. Essas e outras constatações nos levaram a
trabalhar o design de games como aprendizado.
Existia esse
desejo de aplicar o aprendizado em uma escola tradicional. Foi ai que começamos
com o Quest to Learn, uma escola pública que foi aberta no Chelsea, em NY, em
2009, reimaginada dos princípios do design, dos jogos como aprendizado, no
pensamento sistêmico e na formação de atores ativos no mundo. Hoje temos 360
alunos, de 6o a 9o ano por lá. E mais uma escola aberta em Chicago, com outros 320
alunos.
Como é o dia-a-dia na sala de
aula?
Os meninos não têm aula de ciências e matemática, o currículo é
integrado e repensado com o foco na forma como as pessoas experienciam esses
conteúdos no mundo real. Um matemático não só estuda matemática, ele fala sobre
matemática, escreve sobre isso. Pegamos, por exemplo, as disciplinas de
matemática, artes e inglês e colocamos juntas em uma aula que fala sobre as
diferentes formas de se entender o mundo, números e letras. Além disso, todo
início do trimestre os alunos recebem uma grande missão que será dividida em
pequenos desafios ou quests ao longo das semanas. Uma das grandes missões que tivemos na
disciplina que une estudos sociais e inglês foi a de resolver um conflito entre
os fantasmas do Museu Nacional de História Natural de Nova York, que estavam
brigando porque não se entendiam quanto aos acontecimentos da Guerra de
Independência americana. Os estudantes foram chamados para ajudar. A briga se
apoiava nas diferentes perspectivas que os fantasmas tinham sobre a guerra: um
fantasma tinha sido escravo, o outro era da realeza inglesa e o outro era um
colono americano. Eles tinham presenciado o mesmo evento, mas cada um contava
uma história diferente sobre o que tinha acontecido e, principalmente,
sobre o porquê tinha ocorrido. Os estudantes tinham que entender o ponto de
vista de cada um e resolver o conflito. Isso leva uma necessidade de entender o
problema, não decorar. Eles se engajam com o problema e querem aprender.
Quais são os conceitos em que
se baseia a escola?
O instituto e
a escola são baseados em pesquisas recentes sobre como as pessoas aprendem e o
que elas precisam saber no mundo de hoje, no século 21. As pessoas que se
entendem como designers, interagem com o mundo de uma forma diferente, não o
aceitam como algo pronto, o veem como uma oportunidade para fazer algo. Esse é
o conceito de design thinking que nos baseamos. Outra ideia que acreditamos é no aprendizado peer to peer, entre pares. Na trajetória mais natural de aprendizado, a
pessoa precisa se interessar por algo, aprender, praticar, praticar, praticar
e, quando já tem um domínio do conteúdo, ensinar. Ensinar é uma das principais
formas de demonstrar e compreender o aprendizado. Por isso, tentamos construir
nossas experiências de forma com que as pessoas compartilhem o que sabem.
Como são as provas ou
avaliações das crianças?
Temos várias formas de medir o progresso dos alunos. O primeiro
deles é o mesmo exame padronizado por que todas as escolas públicas de Nova
York passam. Também temos nossas avaliações no fim de cada um dos desafios, nos
quais os estudantes precisam produzir algo que vai nos dizer se eles
desenvolveram as habilidade necessárias daquela atividade. Isso ajuda
professores, pais e as próprias crianças a observarem o seu progresso. Além
disso, temos os embedded assessments [avaliações incorporadas, em tradução livre] que ocorrem durante
o processo de aprendizagem, de forma que muitas vezes os estudantes nem sabem
que estão sendo avaliados. Nesse formato, os professores avaliam não só o que
eles sabem mas também como usam seu conhecimento em ação.
Como vocês veem as mudanças na
educação?
Nós nos vemos como designers e acreditamos em redesenhar a
experiência do aprendizado. O futuro da aprendizagem é o nosso futuro. Cada vez
fica mais difícil saber como o mundo vai estar em cinco anos, quais são as
habilidades necessárias, qual o conhecimento importante para as próximas
décadas. O verdadeiro desafio de quem está desenhando um processo de
aprendizado é preparar os alunos para um mundo que não podemos ainda imaginar.
Fonte: Porvir (http://porvir.org/porfazer/os-games-tem-ensinar-aos-alunos/20120909) Mariana Fonseca com a colaboração de Educ-Ação 09/04/2013 Fotos: Divulgação/ Institute of Play
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