Por Hugo Torres
Estamos prontos para partilhar qualquer coisa nas redes
sociais? Podemos gostar de pensar que não, mas a verdade é que sim. Sobretudo
quando se trata de uma resposta emotiva a acontecimentos dramáticos como o
desta segunda-feira, na histórica maratona de Boston, nos EUA, onde a explosão
de duas bombas matou três pessoas e deixou 176 feridas.
As histórias, as fotografias e as campanhas de solidariedade
falsas não se fizeram esperar e, em poucas horas, entraram sem dificuldade na
torrente de informação que se espalhou pela Internet. A estas juntaram-se
inúmeras teorias conspirativas, muitas das quais denunciando um “ataque de
bandeira falsa”, isto é, um ataque promovido pelas autoridades norte-americanas
a ser usado como móbil para uma acção de guerra no estrangeiro.
Uma das mais comoventes histórias contadas nos últimos dias
foi a de Martin Richard, de oito anos, que morreu na primeira explosão. Sendo
verdadeira – e trágica –, a história foi primeiro narrada pelos media
norte-americanos com algumas nuances ficcionais que bem serviriam ao cinema. Ao
contrário desses relatos iniciais, Martin não morreu depois de ter ido abraçar
o pai à meta da maratona. O pai, William Richard, era um espectador, tal como a
mãe e a irmã, que ficaram gravemente feridas. À menina, de seis anos, foi-lhe
amputada uma perna.
Apesar de os órgãos de informação terem reposto a verdade na
tarde de ontem, terça-feira, é difícil que a correcção tenha o mesmo impacto
das primeiras notícias, que davam o pai de Martin como um dos corredores da
maratona e adiciovam aos factos o derradeiro abraço entre os dois. O PÚBLICO,
citando a imprensa internacional, também errou – corrige agora a história.
Mentiras ditas muitas vezes…
Mais difícil é emendar informação de origem desconhecida,
partilhada por dezenas ou centenas de milhares de pessoas nas redes socias,
cuja correcção não é responsabilidade de ninguém em particular. A CNN enumera
cinco destas patranhas que se tornaram virais graças aos internautas de todo o
mundo que, comovidos ou cheios de boa vontade, as propagaram.
A primeira tem por base uma fotografia verdadeira. Uma
imagem captada por John Tlumacki, fotojornalista do Boston Globe, que mostra um
homem debruçado sobre uma mulher. “Obviamente, ela estava ferida com muita
gravidade, e ele estava só a tentar confortá-la. Estava a sussurrar-lhe ao
ouvido”, recordou mais tarde o próprio Tlumacki. “Acho que foi a imagem mais
comovente”, disse. E tornou-se viral. Curiosamente, a história com que chegou
às redes sociais adiantava mais do que o fotógrafo: “O homem de camisola
vermelha planeava pedir a sua namorada em casamento assim que cortasse a meta
da Maratona de Boston, mas ela faleceu”. Era mentira.
A agência que distribuiu a fotografia de Tlumacki, a Getty
Images, forneceu uma versão mais comedida da história do casal. A legenda
mencionava apenas um homem a confortar uma mulher, que se encontrava ferida no
chão. Sem namoros, sem noivados, sem meta, sem corrida.
No segundo caso, é a própria fotografia que é falsa. Ou
melhor: não foi tirada em Boston, mas em Great Falls, Virgínia. É uma
fotografia de uma menina de oito anos, que, segundo a mensagem que lhe estava
acoplada, teria participado na maratona de Boston em memória das vítimas de
Sandy Hook e que teria também morrido nas explosões. Dois pormenores
denunciavam, desde logo, a invenção: primeiro, a maratona de Boston não aceita
participantes tão novos; segundo, a menina envergava uma dorsal da Joe Cassella
5K, uma corrida de solidariedade para com as famílias de crianças doentes na
região de Washington. Foi a Fundação Joe Cassella que denunciou, no Facebook, a
utilização “fraudulenta” da foto.
Solidariedade foi, de resto, o que levou pelo menos 50 mil
utilizadores do Twitter a replicar uma mensagem que afirmava que, por cada
retweet, a organização da maratona de Boston iria doar um dólar às vítimas dos
ataques. O tweet foi feito através da conta @_BostonMarathon, que acabou por
ser desmascarada e encerrada pelos responsáveis daquela rede de microblogging.
Outra conta suspensa foi a que dava pelo nome de @Hope4Boston, que além da
fotografia da menina de Great Falls também disseminou uma fotografia falsa de
Martin Richard.
Este foi o terceiro caso na lista da CNN, que fica completa
com as teorias conspirativas que pululam pela Internet e com a alegada decisão
das autoridades locais de desligar as redes de telemóveis, para prevenir a
detonação de um suposto terceiro engenho explosivo. As empresas norte-americanas
de telecomunicações desmentiram esta informação, dizendo que o que provocou o
congestionamento das ligações foi a utilização massiva dos serviços.
Coincidência “bizarra” no Family Guy
Um dos casos que pode entrar na gaveta da conspiração é o que
está a ser promovido por Paul Joseph Watson, no site Infowars.com, a propósito
do que diz ser uma “bizarra” coincidência num episódio da série de animação
Family Guy. Nesse episódio, intitulado Turban Cowboys (cowboys de turbante) e
emitido nos EUA a 17 de Março, a personagem principal, Peter Griffith, faz
parte de um plano terrorista para destruir uma ponte em solo norte-americano,
segundo a AFP. Numas das cenas, Peter detona duas bombas através do telemóvel.
Noutra cena do mesmo episódio, Peter aparece como vencedor da maratona de
Boston, cruzando a meta de carro, passando por cima de corredores, sangue e
membros já separados do corpo.
O que Paul Joseph Watson fez foi juntar essas duas cenas do
mesmo episódio e publicar o vídeo editado no YouTube. Seth MacFarlane, criador
da série, reagiu no Twitter, dizendo que se trata de uma manipulação
“repugnante”. O YouTube retirou entretanto o vídeo do ar, o que Watson apoda de
“censura”. Reconhecendo que as duas cenas não são uma sequência, o editor do
Infowars.com disponibilizou um novo vídeo no YouTube, de novo com as duas cenas
de Family Guy, mas desta vez com uma explicação do que pensa a propósito e com
um desafio aos responsáveis da rede de partilha de vídeos.
A Fox, que produz e emite a série, já retirou o episódio dos
seus arquivos online, assim como do Hulu. A Fox justifica a decisão com a
prática corrente entre as cadeias de televisão norte-americanas, que restringem
o acesso a histórias de ficção que conflituem com a realidade em circunstâncias
trágicas como as de Boston.
Fonte: Público
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