‘Estamos outra vez vivendo uma era Gutenberg’
O professor de jornalismo on-line Rosental Calmon Alves é
taxativo ao dizer que estamos vivendo uma revolução tecnológica que afeta
profundamente a educação e o jornalismo, como também todos os outros setores da
sociedade. “Um momento revolucionário com muito poucos paralelos na história da
humanidade”, afirmou ao Porvir em uma conversa em seu escritório no Belo New Media Center, na Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos, na
semana em que lançava o segundo Mooc para jornalistas sobre cobertura de
eleições. “Ontem tive uma reunião com colegas e soube que muitos professores
responderam uma pesquisa dizendo que viam os Moocs e o ensino
on-line como uma ameaça para torná-los obsoletos, o que demonstra uma falta de
informação.”
Rosental é
brasileiro, foi correspondente do Jornal do Brasil na Espanha, Argentina,
México e Estados Unidos, e responsável por lançar a versão on-line do jornal, o
primeiro do país a ser disponibilizado na internet. Ele também foi o primeiro
jornalista escolhido como Knight Chair de jornalismo internacional, pelo James
L. and John S. Knight Foundation de quem recebeu recursos para fundar o Centro Knight de
Jornalismo para Américas, que hoje coordena.
Para ele, cobrar ou não conteúdo, usar as redes sociais como
fonte de informação, são questionamentos que foram levantados há alguns anos,
com a expansão da internet, sobre o futuro do jornalismo, e que hoje são
válidos também para a educação. “O que está acontecendo com os jornais hoje, e
que já havíamos previsto há 10 anos, vai acontecer com a educação amanhã.”
O que você tem visto de mais
inovador na área da tecnologia e da comunicação e como isso vem impactando o
jornalismo?
Nós estamos numa era Gutenberg outra vez. Numa situação de
ruptura e de transição do ecossistema de mídia que existia na era industrial
para um ecossistema completamente diferente, que está começando a ser
construído e que afeta profundamente não só o jornalismo e a educação, mas
praticamente toda as atividades econômicas e sociais do mundo. É um momento
revolucionário com muito poucos paralelos na história da humanidade.
Dentro desse contexto,
umas das coisas que vem acontecendo nos últimos seis anos aqui nos EUA é a
ruptura clara do modelo de negócios que sustentava o jornalismo comercial. Isso
resultou numa crise enorme nos jornais, os primeiros afetados. O que está
acontecendo com os jornais hoje, vai acontecer com a educação amanhã. É um
paralelo muito interessante porque muitos dos dilemas que os jornais tiveram ou
estão tendo como cobrar ou não cobrar o conteúdo, as universidades nos EUA
estão começando a experimentar. O fato das ações das universidades estarem
sendo desvalorizadas por conta dos Moocs indica que esse problema é real e não
especulativo. Talvez haja hoje uma hype [uma promoção extrema] por conta dos
Moocs, mas isso não é importante. Eles são uma realidade, vão continuar
existindo, ou novas formas virão, outras ideias, mas o fato é que esse
movimento vai afetar profundamente as estruturas da universidade.
O Bill Gates, no SXSWEdu,
estava dizendo que com a televisão houve uma promessa de que a tecnologia ia
revolucionar a educação e não aconteceu. Ele diz que agora é diferente. O que o
senhor concorda?
Agora é diferente, o rádio e a TV quebraram várias barreiras e
permitiram a ampliação do mercado de meios de massa que chegou ao clímax com a
TV por satélite e a proliferação de canais. Mas nada disso se compara com a
nova lógica de comunicação que está emergindo. A revolução industrial estendia
nossa capacidade de viajar mais rápido, ouvir à distância. Hoje a revolução é
da conectividade, da expansão do cérebro humano, a revolução do conhecimento.
Por isso essa tecnologia afeta a educação mais profundamente.
Como?
Muitas das coisas que nós fazemos como professores, fazemos
mecanicamente, analogicamente. Existem professores, por exemplo, que há décadas
ensinam o mesmo curso. A tecnologia oferece oportunidades para otimizar a relação
professor e aluno. Ontem tive uma reunião com colegas e soube que muitos
professores responderam uma pesquisa dizendo que viam os Moocs e o ensino
on-line como uma ameaça para torná-los obsoletos, o que demonstra uma falta de
informação. Porque algumas das coisas que fazemos vamos passar a fazer de forma
mais eficiente e teremos mais tempo para investir na interação aluno professor,
entre pares etc. Hoje eu dei uma aula expositiva, 75 minutos sendo a pessoa que
falava, parecida com a que eu dei ano passado. Isso vai acabar, preferia gastar
esse tempo 15 minutos com cada aluno que já teria visto a minha aula em vídeo.
Nós temos que entender que é uma outra lógica, num outro mundo.
O que que isso muda no fazer
jornalismo, na atuação?
A primeira
coisa que muda no jornalismo é que os meios de comunicação perdem poder e
controle das informações, o poder de gatekeepers, não vai haver tanto monopólio, qualquer cidadão hoje comete atos
de jornalismo até sem saber. É uma atividade que deixa de ser vertical e passa
a ser mais horizontal. Falávamos isso há 10 anos e vemos acontecer hoje. A
primeira reação dos jornalistas em relação às redes sociais foi de menosprezo e
hoje nenhum jornalista pode ser dar ao luxo de não estar nas redes sociais ou
de não prestar atenção em alguns blogs.
E o que muda no ensinar
jornalismo?
Essa necessidade de mudar radicalmente para poder prosperar no
ambiente novo é a mesma na educação. A sala de aula é um fórum onde o professor
é a forma dominante e precisa entrar nessa horizontalidade, coisa que grandes
educadores já falavam no século passado e que agora não podem ser ignoradas, o
professor não pode ignorar que há mudanças fundamentais no cérebro, nas
habilidades cognitivas dos alunos para os quais está ensinando. A adoção das
novas linguagens, já comuns para os alunos, pelos professores é fundamental,
eles vão estar falando uma língua estrangeira se não fizerem isso. Meu coração
partia toda vez que encontrava uma universidade que bloqueava o YouTube, na
América Latina. Como isso pode ser bloqueado? O YouTube é uma fantástica fonte
de conhecimento, eu uso vídeos do YouTube nas minhas aulas o tempo todo. É tão
importante quanto os livros que eu mando eles lerem. Você tem os protagonistas
falando, qualquer autor você acha no YouTube. A adoção de redes sociais e
interação eletrônica com os alunos é fundamental.
E como o senhor vem
acompanhando os Moocs?
Ano passado o NYTimes e o Washington Post disseram que foi o ano
dos Moocs. Virou uma palavra, está virando um verbo. Eu vinha fascinado há uma
década com o OpenCourseWare do MIT, aquilo é uma coisa Gutenberguiana, a
democratização do conhecimento, estava fascinado. Depois Khan Academy e depois
os Moocs. Pensei que precisávamos fazer o mesmo no Centro Knight que eu fundei
há 10 anos. Vi uma oportunidade de fazer um Mooc diferente, não é um curso
universitário massificado, é um workshop, treinamento profissional adaptado
para uma aula de milhares de alunos. Até onde eu sei é o primeiro Mooc do mundo
em jornalismo. Fizemos duas edições, a primeira com 2.000 alunos e a segunda
5.250. A primeira com alunos de 109 países e a segunda já em 138 países. O tema
era introdução à infografia e à visualização de dados, em inglês.
Pela primeira vez o
Centro Knight, que já tinha treinado 7 mil jornalistas durante 9 anos, com duas
edições do mesmo Mooc treinou mais de 7 mil, em poucos meses. Não digo que
treinou todos, muitos não fazem tudo, mas atingiu 7 mil pessoas. Estamos
felizes com a experiência e estamos lançando essa semana nosso terceiro curso
sobre como cobrir melhor as eleições, em espanhol.
Existia um debate há pouco
tempo sobre ter diploma ou não para jornalista. Hoje ouvimos do Salman Khan e
do Anant Argawal do edX que talvez o diploma passe a não mais fazer sentido e
vamos precisar dar certificados de competência. Como você vê isso?
Acho que a universidade tem que repensar o seu papel. Pesquisa e
desenvolvimento de ideias e também o papel de instância verificadora. Alguém
estava comentando que o diretor de umas das melhores faculdade de química dos
EUA percebeu que a maioria dos alunos que chega no primeiro ano acha os cursos
chatos porque já fizeram essas aulas básicas em Moocs. Ele está pensando como
vai responder a esse desafio. Realmente ele devia dar um teste e ver se a
pessoa pode ser dispensada desse curso. Acho que isso vai acontecer cada vez
mais. Você ainda precisa do diploma, que é importante do sentido da instância
verificadora que o diploma representa.
No caso do jornalismo, num mundo onde qualquer um pode criar um
blog e começar a cobrir alguma coisa, o fato de ter diploma ou não é
irrelevante. O que eu acho incrível é como isso virou uma coisa dogmática no
Brasil, por que eu vou pagar a faculdade para fazer uma coisa que não precisa
de diploma? Porque você quer aprender e ser melhor. Aqui nos EUA o diploma
nunca foi exigido, mas não conheço nenhum país do mundo onde o ensino de
jornalismo é tão vibrante e forte. As pessoas fazem porque aprendem e têm uma
vantagem comparativa com quem não fez a universidade. Mas se essa discussão era
anacrônica antes da revolução digital, ela é pior agora. Isso sem entrar nos
fundamentos legais porque o jornalismo é uma forma de expressão e a
constituição brasileira não permite que se crie obstáculo a liberdade de
expressão. Acho que isso é um mal entendido.
Fonte: Porvir / Mariana Fonseca 20/03/2013
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