Por que tantas retratações?

Falar demais era, antigamente, motivo apenas de arrependimento. Hoje, pode gerar processo e causar danos irreparáveis à imagem. O que mudou? A velocidade com que a informação circula, se multiplica, e a proporção da repercussão. Isso se deve ao crescimento do número de mídias, em especial à internet. Celebridades têm dado mais visibilidade a este fenômeno da retratação pública, embora não aconteça só com eles, claro. Mas, por serem famosos, qualquer derrapada vira, em minutos, debate quente em redes sociais. A única maneira de conter a fúria dos fãs, ou desafetos, é pedir desculpas publicamente. Recentemente, personalidades como Faustão, Sylvester Stallone, Boris Casoy, Dunga, Luciano Huck e Michael Schumacher tiveram de fazer um mea-culpa por seus comentários. De quebra, espalham uma lição: reconhecer um erro não diminui ninguém. A contrário, é um gesto de grandeza.

Um dos últimos episódios foi protagonizado por Faustão, apresentador da Rede Globo, que desqualificou um funcionário em rede nacional. “Manda esse imbecil colocar o resultado”, irritou-se ao perceber uma falha da produção no programa do domingo 25 de julho. Na semana seguinte, voltou ao microfone e se retratou: “O imbecil foi o apresentador. Não adianta pedir desculpas no particular e não falar isso em público.”

Procurado por ISTOÉ, Fausto Silva informou que dá o assunto por encerrado. Outra grosseria recente foi internacional. O ator Sylvester Stallone, que esteve no Rio de Janeiro para filmar “Os Mercenários”, disse que “pode-se explodir o País inteiro que eles (brasileiros) ainda dizem para você ‘obrigado e tome aqui um macaco para levar para casa’”. Depois, menos Rambo e mais político, amenizou. “Brasil, eu te amo. Eu fiz uma piada que não deu certo”, disse ele, que deixou uma dívida de R$ 4 milhões no País.

Segundo o professor de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro Breno Melaragno, não é a nobreza de espírito que leva o agressor a se corrigir, e sim o receio de um processo na Justiça. Ele afirma que o número de ações por ofensas na internet cresce exponencialmente. Os famosos têm medo, também, de macular a imagem. Muitas vezes, só se retratam quando os estragos assumem dimensões que podem prejudicar a carreira. Como o alemão Michael Schumacher, veloz nas pistas e devagar para reconhecer seus exageros. Foi preciso que a cena na qual ele joga o brasileiro Rubens Barrichello perigosamente contra um muro corresse o mundo para Schumacher recuar. “Não quis prejudicar o Rubens. Peço desculpas”, disse.

Já o jornalista Boris Casoy, da Rede Bandeirantes, será levado aos tribunais. No início do ano, ele apresentou uma reportagem na qual dois garis apareciam desejando feliz ano-novo aos telespectadores. Pensando que estava fora do ar, Casoy ironizou: “Que merda, dois lixeiros desejando felicidade do alto de suas vassouras.” Ele até pediu desculpas no mesmo telejornal, mas o advogado Francisco Laroca, defensor dos garis, diz que somente a indenização poderá compensar pela “exposição ao ridículo” sofrida por seus clientes.

Na mesma emissora, outro apresentador, José Luiz Datena, viveu uma situação diferente. Ele chamou de “travecão safado” um travesti que participava do programa e havia empurrado um dos câmeras. A história repercutiu, mas ele não voltou atrás. “Não é porque o cara é travesti que pode agredir outra pessoa”, disse. E, hoje, não fala mais sobre o assunto.

Professora do departamento de psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Leila Salomão Tardivo defende que um pedido de desculpas é muito importante pela atitude, mas a indenização por danos morais tem mais força. “Ela é vista como uma marca para a sociedade de que os erros não podem passar impunes e incólumes”, diz.

O Twitter, grande palco da sinceridade e desabafos, tem deixado tuiteiros com problemas. Num rompante, após a derrota do Brasil na Copa, o apresentador Luciano Huck expressou sua revolta: “Dunga é burro para c...!” Logo depois, se arrependeu: “Eu não devia tê-lo xingado.” O próprio técnico Dunga também foi a público tentar apagar a cena em que dizia palavrões em uma coletiva de imprensa. “Quero pedir desculpa ao torcedor”, disse.

Na semana passada, foram os jogadores do Santos que levaram um drible no microblog. Após uma vitória sobre o Prudente, alguns deles se reuniram para conversar ao vivo com torcedores por uma webcam. Acabaram falando que Robinho não faria falta ao time após voltar ao Manchester City. Repreendidos, tiveram de se redimir.

Embora não pareça, a princípio, todos esses episódios são um bom sinal. Porque retratações são características de um mundo mais democrático e liberal, além de sintoma de maior igualdade, na visão do antropólogo Roberto DaMatta. “Tradicionalmente, os poderosos não pedem desculpas no Brasil”, diz ele. “Isso está mudando.”

Fonte: Revista Época - Semana do dia 11/08/2010

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