Estatuto da Criança e do Adolescente: o que podemos comemorar?
Por Marcus Tavares - RevistaPontoCom
Crianças e adolescentes são “pacientes” na Saúde, “alunos” na escola, “dependentes”, na Previdência Social e na Receita Federal, “problema social” quando estão na rua, “potenciais eleitores” depois dos 16 anos de idade, “rebeldes” para algumas linhas interpretativas das Ciências Sociais e Humanas, “benção divina” para algumas tradições religiosas, “castigo dos céus” para outras, “cidadãos do futuro” nos discursos políticos, “fonte de renda” para algumas famílias que as exploram das mais variadas formas e “herdeiros das dívidas” para algumas famílias.
Esta é uma das observações de Roberto da Silva, professor do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Em entrevista àrevistapontocom, o professor analisou os 22 anos da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 13 de julho de 1990. O assunto foi ponto de partida para uma análise da infância e da adolescência no Brasil, realidade que o professor conhece bastante.
Conheça a trajetória do professor doutor Roberto da Silva, ex interno da Febem e que também ficou sete anos preso na Casa de Detenção de São Paulo.
Vale a pena conferir as ideias e reflexões do professor. Acompanhe:
revistapontocom – Completamos 22 anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no dia 13 de julho. É uma data para ser celebrada? Por quê?
Roberto da Silva – Sim, primeiro porque segundo nossa tradição judaíco cristã, datas são para ser comemoradas. Segundo porque o rebento que nasceu 22 anos atrás sobreviveu e já tem toda uma geração – pós-ECA – cujos direitos e deveres estão sob “aborto”, a “morte” ou a revogação do ECA. Alguns querem alterações, para torná-lo melhor e mais eficaz na proteção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.
Roberto da Silva – Sim, primeiro porque segundo nossa tradição judaíco cristã, datas são para ser comemoradas. Segundo porque o rebento que nasceu 22 anos atrás sobreviveu e já tem toda uma geração – pós-ECA – cujos direitos e deveres estão sob “aborto”, a “morte” ou a revogação do ECA. Alguns querem alterações, para torná-lo melhor e mais eficaz na proteção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.
revistapontocom – Podemos então dizer que o ECA ‘pegou’ no Brasil, no sentido de ser respeitado e cumprido pelas pessoas e ou instituições?
Roberto da Silva – Dos cerca de 6.550 municípios brasileiros, 5.577 possuem pelo menos um Conselho Tutelar instalado, ainda que o seu funcionamento não esteja conforme a determinação do ECA. Os conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente estão instalados em mais de 90% dos municípios brasileiros e todos os estados e o DF possuem o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. E em nível nacional está em pleno funcionamento o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Compare esta taxa de desempenho com qualquer outro indicador social no Brasil, como existência de bibliotecas públicas, de maternidades, de saneamento básico, de coleta de lixo, de salas de cinema, de água tratada, de localização de telefone público etc. e podemos concluir se o ECA “pegou” ou não no Brasil. E com a diferença fundamental de que a tendência é de crescimento e de aperfeiçoamento destas estruturas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil.
Roberto da Silva – Dos cerca de 6.550 municípios brasileiros, 5.577 possuem pelo menos um Conselho Tutelar instalado, ainda que o seu funcionamento não esteja conforme a determinação do ECA. Os conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente estão instalados em mais de 90% dos municípios brasileiros e todos os estados e o DF possuem o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. E em nível nacional está em pleno funcionamento o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Compare esta taxa de desempenho com qualquer outro indicador social no Brasil, como existência de bibliotecas públicas, de maternidades, de saneamento básico, de coleta de lixo, de salas de cinema, de água tratada, de localização de telefone público etc. e podemos concluir se o ECA “pegou” ou não no Brasil. E com a diferença fundamental de que a tendência é de crescimento e de aperfeiçoamento destas estruturas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil.
revistapontocom – Uma das novidades que o ECA trouxe foi o estabelecimento que crianças/jovens são prioridades em todos os sentidos. Isto acontece na prática?
Roberto da Silva – Dentre os vários princípios norteadores do ECA, o da “prioridade absoluta” talvez não seja o mais importante nem o que melhor mereça destaque. Educação, Saúde, Segurança Pública e acesso à Justiça são políticas de caráter universal, que devem atender a todos os brasileiros sem qualquer tipo de distinção, inclusive por faixa etária. Na restituição do Imposto de Renda, os idosos são prioritários e não os pais que possuem filhos pequenos. No pagamento de dívidas trabalhistas, os empregados têm prioridade independente se são ou não provedores de crianças pequenas. Na execução de sentenças judiciais, que inclui o confisco de bens móveis e imóveis, como saldos de contas bancárias e cadernetas de poupança, ninguém verifica se isso afeta ou não o direito de crianças e adolescentes dependentes do devedor. Nas ações de despejo, de reintegração de posse (exemplo do Pinheirinho), os direitos de crianças e adolescentes são simplesmente ignorados. Estas situações comprometem não apenas este princípio da “prioridade absoluta”, mas também o de “crianças e adolescentes como sujeito de direitos”. O princípio norteador do ECA que deve ser observado e que efetivamente faz diferença é o de “criança e adolescente como pessoas em fase peculiar de desenvolvimento” e este tem mobilizado a sociedade para se aperceber do que é ou não apropriado para determinada faixas etárias. E, neste sentido, há diversas ações, tanto do Estado quanto de governos e da sociedade civil no sentido de coibir as práticas abusivas, como os casos de trabalho infantil, da exploração sexual, do uso de imagens, da proibição de vendas de cigarros e bebidas, de viagens desacompanhadas etc.
Roberto da Silva – Dentre os vários princípios norteadores do ECA, o da “prioridade absoluta” talvez não seja o mais importante nem o que melhor mereça destaque. Educação, Saúde, Segurança Pública e acesso à Justiça são políticas de caráter universal, que devem atender a todos os brasileiros sem qualquer tipo de distinção, inclusive por faixa etária. Na restituição do Imposto de Renda, os idosos são prioritários e não os pais que possuem filhos pequenos. No pagamento de dívidas trabalhistas, os empregados têm prioridade independente se são ou não provedores de crianças pequenas. Na execução de sentenças judiciais, que inclui o confisco de bens móveis e imóveis, como saldos de contas bancárias e cadernetas de poupança, ninguém verifica se isso afeta ou não o direito de crianças e adolescentes dependentes do devedor. Nas ações de despejo, de reintegração de posse (exemplo do Pinheirinho), os direitos de crianças e adolescentes são simplesmente ignorados. Estas situações comprometem não apenas este princípio da “prioridade absoluta”, mas também o de “crianças e adolescentes como sujeito de direitos”. O princípio norteador do ECA que deve ser observado e que efetivamente faz diferença é o de “criança e adolescente como pessoas em fase peculiar de desenvolvimento” e este tem mobilizado a sociedade para se aperceber do que é ou não apropriado para determinada faixas etárias. E, neste sentido, há diversas ações, tanto do Estado quanto de governos e da sociedade civil no sentido de coibir as práticas abusivas, como os casos de trabalho infantil, da exploração sexual, do uso de imagens, da proibição de vendas de cigarros e bebidas, de viagens desacompanhadas etc.
revistapontocom – O ECA afirma que a criança e o adolescente são responsabilidade do Estado, da sociedade e da família. Mas será que estas três instituições veem as crianças e adolescentes da mesma forma? O senhor poderia descrever como, em sua avaliação, cada uma das instituições vê e entende meninos e meninas e o que caberia a elas?
Roberto da Silva – Crianças e adolescentes são “pacientes” na Saúde, “alunos” na escola, “dependentes”, na Previdência Social e na Receita Federal, “problema social” quando estão na rua, “potenciais eleitores” depois dos 16 anos de idade, “rebeldes” para algumas linhas interpretativas das Ciências Sociais e Humanas, “benção divina” para algumas tradições religiosas, “castigo dos céus” para outras, “cidadãos do futuro” nos discursos políticos, “fonte de renda” para algumas famílias que as exploram das mais variadas formas e “herdeiros das dívidas” para algumas famílias. Enfim, criança e adolescente podem ser tudo, mas, segundo o ECA, a responsabilidade quanto à garantia, promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente é de natureza coletiva, solidária e que envolve a todos indistintamente. De um ponto de vista ético, a família é a primeira responsável pela garantia, promoção e defesa dos direitos de seus filhos. Quando isto não ocorre deve o Estado entrar como coadjuvante, no sentido de auxiliar a família a cumprir suas funções e nunca no sentido de substituí-la. À sociedade, dita organizada, cabe sobretudo a função de apoiar a família e de oferecer a ela alternativas para que bem possa cumprir suas funções, mas também de “vigilância social”, no sentido de problematizar, discutir e até mesmo de denunciar as violações de direitos.
Roberto da Silva – Crianças e adolescentes são “pacientes” na Saúde, “alunos” na escola, “dependentes”, na Previdência Social e na Receita Federal, “problema social” quando estão na rua, “potenciais eleitores” depois dos 16 anos de idade, “rebeldes” para algumas linhas interpretativas das Ciências Sociais e Humanas, “benção divina” para algumas tradições religiosas, “castigo dos céus” para outras, “cidadãos do futuro” nos discursos políticos, “fonte de renda” para algumas famílias que as exploram das mais variadas formas e “herdeiros das dívidas” para algumas famílias. Enfim, criança e adolescente podem ser tudo, mas, segundo o ECA, a responsabilidade quanto à garantia, promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente é de natureza coletiva, solidária e que envolve a todos indistintamente. De um ponto de vista ético, a família é a primeira responsável pela garantia, promoção e defesa dos direitos de seus filhos. Quando isto não ocorre deve o Estado entrar como coadjuvante, no sentido de auxiliar a família a cumprir suas funções e nunca no sentido de substituí-la. À sociedade, dita organizada, cabe sobretudo a função de apoiar a família e de oferecer a ela alternativas para que bem possa cumprir suas funções, mas também de “vigilância social”, no sentido de problematizar, discutir e até mesmo de denunciar as violações de direitos.
revistapontocom – Ao mesmo tempo em que protege e garante os direitos da infância e da adolescência, o ECA promove a faixa etária, empoderando-a. É possível crianças e adolescentes terem espaço num mundo adultocêntrico? Esse empoderamento não fica apenas no discurso?
Roberto da Silva – Claro que sim, principalmente diante do princípio que afirma que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Isso significa que filhos não são propriedades de seus pais. Pai e mãe são enquanto forem necessários e suficientes para a garantia, promoção e defesa dos direitos fundamentais de seus filhos. À medida que colocam estes direitos fundamentais em risco, podem deixar de ser pai ou mãe. Esta é uma estratégia de empowerment (empoderamento) significativa em uma sociedade de tradição cristã, católica, patriarcal e baseada no modelo hegemônico da família nuclear, pois permite, em qualquer situação conflituosa, se decidir pelo “melhor interesse da criança e do adolescente”, inclusive com possibilidade de sua própria manifestação, respeitando sempre sua maneira própria de comunicar e manifestar suas vontades e preferências, tal como ocorre na disputa judicial pela guarda de filhos pequenos. O princípio que melhor responde a esta pergunta, penso eu, é o de “pessoa em fase peculiar de desenvolvimento”, que já falei. Em nome deste princípio é que assume relevância a chamada “cultura da infância” ou, de outra forma “os valores próprios da infância”, que têm levado a Saúde, por exemplo, a desenvolver a área da pediatria, a Educação a desenvolver a especificidade da Educação Infantil, à especialização da Justiça da Infância e da juventude, à arquitetura, engenharia, indústria, comércio e serviços de modo geral, a desenvolverem serviços, produtos, linguagens e abordagens que se adequam a esta faixa etária. Claro que há abusos aí: as seções de doces e de brinquedos junto aos caixas em farmácias, supermercados, padarias etc., que colocam pais em desespero, é um mau exemplo desta adaptação. A indústria de brinquedos, dos jogos eletrônicos e dos desenhos animados são outros exemplos. Mas cabe à “vigilância” da sociedade organizada e ao poder indutor do próprio Estado corrigir as distorções e cobrar posturas mais éticas destes “exploradores” da cultura da infância.
Roberto da Silva – Claro que sim, principalmente diante do princípio que afirma que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Isso significa que filhos não são propriedades de seus pais. Pai e mãe são enquanto forem necessários e suficientes para a garantia, promoção e defesa dos direitos fundamentais de seus filhos. À medida que colocam estes direitos fundamentais em risco, podem deixar de ser pai ou mãe. Esta é uma estratégia de empowerment (empoderamento) significativa em uma sociedade de tradição cristã, católica, patriarcal e baseada no modelo hegemônico da família nuclear, pois permite, em qualquer situação conflituosa, se decidir pelo “melhor interesse da criança e do adolescente”, inclusive com possibilidade de sua própria manifestação, respeitando sempre sua maneira própria de comunicar e manifestar suas vontades e preferências, tal como ocorre na disputa judicial pela guarda de filhos pequenos. O princípio que melhor responde a esta pergunta, penso eu, é o de “pessoa em fase peculiar de desenvolvimento”, que já falei. Em nome deste princípio é que assume relevância a chamada “cultura da infância” ou, de outra forma “os valores próprios da infância”, que têm levado a Saúde, por exemplo, a desenvolver a área da pediatria, a Educação a desenvolver a especificidade da Educação Infantil, à especialização da Justiça da Infância e da juventude, à arquitetura, engenharia, indústria, comércio e serviços de modo geral, a desenvolverem serviços, produtos, linguagens e abordagens que se adequam a esta faixa etária. Claro que há abusos aí: as seções de doces e de brinquedos junto aos caixas em farmácias, supermercados, padarias etc., que colocam pais em desespero, é um mau exemplo desta adaptação. A indústria de brinquedos, dos jogos eletrônicos e dos desenhos animados são outros exemplos. Mas cabe à “vigilância” da sociedade organizada e ao poder indutor do próprio Estado corrigir as distorções e cobrar posturas mais éticas destes “exploradores” da cultura da infância.
revistapontocom – Como a escola lida com este ‘empoderamento’ de crianças e jovens?
Roberto da Silva – Lida mal e é um dos setores da sociedade que mais tem enfrentado dificuldades para absorver e se adaptar à “cultura da infância” e de respeitar os “valores próprios da infância”. Excessivamente normativa, prescritiva e disciplinadora, a criança, aqui chamada “aluno”, é quem precisa se adaptar à lógica escolar, reduzindo a criança, mesmo pequena, a um “objeto de aprendizagem” e negligenciando a possibilidade de a criança ser um “sujeito de ensinagem”. Ou seja, entende-se que a criança “vai” à escola para aprender e por isso é exigido dela uma rígida disciplina, postura, cumprimento de tarefas, obediência, acatamento e submissão. A escola trabalha no sentido de “empoderar” o aluno, mas de submissão da “criança” que existe dentro deste aluno.
Roberto da Silva – Lida mal e é um dos setores da sociedade que mais tem enfrentado dificuldades para absorver e se adaptar à “cultura da infância” e de respeitar os “valores próprios da infância”. Excessivamente normativa, prescritiva e disciplinadora, a criança, aqui chamada “aluno”, é quem precisa se adaptar à lógica escolar, reduzindo a criança, mesmo pequena, a um “objeto de aprendizagem” e negligenciando a possibilidade de a criança ser um “sujeito de ensinagem”. Ou seja, entende-se que a criança “vai” à escola para aprender e por isso é exigido dela uma rígida disciplina, postura, cumprimento de tarefas, obediência, acatamento e submissão. A escola trabalha no sentido de “empoderar” o aluno, mas de submissão da “criança” que existe dentro deste aluno.
revistapontocom – Vários autores, no passado e no presente, já avaliaram o lugar que a criança ocupou e ocupa na sociedade, podemos citar Philippe Ariès e Neil Postman. Mas hoje, que lugar ocupam as crianças na nossa sociedade? Qual a definição de infância no mundo mundializado?
Roberto da Silva – São poucos os autores, do passado e do presente, que escrevem sobre a criança brasileira e o sentido de infância que vigora no Brasil. Moncorvo Filho e Monteiro Lobato são dois exemplos, ainda que possamos discordar de suas posições teóricas, mas que não somente descreveram a criança e a infância brasileira como desenvolveram programas, projetos, ações, legislação, políticas, personagens e situações para dar vida às suas concepções. No Brasil, a definição de criança ainda é marcada pelo ranço da pobreza, da miséria e do subdesenvolvimento: as ideias de que crianças significam despesas, de que possam ser motivo de complementação da renda familiar, de que possam trabalhar para substituir adultos, que tenham que desde cedo assumir responsabilidades etc. se baseiam em uma certa lógica utilitarista de criança enquanto “bem”, como um “capital” que possa render dividendos ou comprometer as finanças da família. E não são apenas famílias de baixa renda que pensam assim: famílias de melhor capacidade econômica, mas ética, moral e culturalmente subdesenvolvidas, também concebem seus filhos como “moedas de troca”, como um “cofrinho” no qual se coloca dinheiro para render lucros no futuro ou, ainda, como “prodígios” que possam substituir os pais como provedores dos recursos que a família precisa para manter seu status quo.
Roberto da Silva – São poucos os autores, do passado e do presente, que escrevem sobre a criança brasileira e o sentido de infância que vigora no Brasil. Moncorvo Filho e Monteiro Lobato são dois exemplos, ainda que possamos discordar de suas posições teóricas, mas que não somente descreveram a criança e a infância brasileira como desenvolveram programas, projetos, ações, legislação, políticas, personagens e situações para dar vida às suas concepções. No Brasil, a definição de criança ainda é marcada pelo ranço da pobreza, da miséria e do subdesenvolvimento: as ideias de que crianças significam despesas, de que possam ser motivo de complementação da renda familiar, de que possam trabalhar para substituir adultos, que tenham que desde cedo assumir responsabilidades etc. se baseiam em uma certa lógica utilitarista de criança enquanto “bem”, como um “capital” que possa render dividendos ou comprometer as finanças da família. E não são apenas famílias de baixa renda que pensam assim: famílias de melhor capacidade econômica, mas ética, moral e culturalmente subdesenvolvidas, também concebem seus filhos como “moedas de troca”, como um “cofrinho” no qual se coloca dinheiro para render lucros no futuro ou, ainda, como “prodígios” que possam substituir os pais como provedores dos recursos que a família precisa para manter seu status quo.
revistapontocom – As crianças e os jovens têm que poder hoje?
Roberto da Silva – Creio que sejam diferentes os poderes que exercem crianças, adolescentes e jovens. Crianças, quanto mais novas, mais poderes exercem, algumas, reconheçamos, exercem poderes quase ditatoriais sobre os pais. As necessidades próprias da pequena infância exigem presença, prontidão e vigilância dos pais 24 horas por dia: são os filhos que vão fazer os adultos se descobrirem enquanto pais e mães e não o contrário. As necessidades da pequena infância são poderes que os filhos exercem sobre os pais de forma taxativa, não há como não atendê-las. Quando as necessidades são menores, e filhos passam a exercitar a vontade, o desejo, gostos e preferências, aí os adultos passam a exercer o poder disciplinador e se convencem que são realmente pais e mães, mas logo em seguida vem a adolescência, cujas marcas não são apenas ditadas pelas necessidades, pelas vontades, preferências ou desejos. Adolescentes têm, vamos dizer assim, o poder que é capaz de conquistar. Porém, conquistas estas nunca tranquilas, sempre na base da resistência, da ruptura ou da negociação. Podem votar a partir dos 16 anos de idade, mas não podem definir o horário de voltar para casa nos finais de semana. Podem fazer quase tudo o que querem, desde que seus pais não tomem conhecimento disso e que não levem suas experiências para dentro da escola. Quanto aos jovens, se entendermos como faixa etária entre 18 e 21 anos de idade, pouco ou quase nenhum poder exercem, principalmente os do sexo masculino, que ainda são reféns do famigerado, antiquado e retrógado “serviço militar”. Se estudantes do ensino superior, a faixa etária da dependência se amplia até aos 24 anos de idade, mas são apenas “promessas”, plantadas lá na escolha do curso no vestibular, mas nem sempre concretizadas seja na escolha do curso, na conclusão dele ou no efetivo exercício da profissão escolhida. Talvez uma dimensão do poder nesta faixa etária esteja associada ao vigor físico, à sexualidade, à capacidade de reprodução, atributos estes fartamente usados mais nas relações de gênero do que nas relações intergeracionais ou de diferentes faixas etárias.
Roberto da Silva – Creio que sejam diferentes os poderes que exercem crianças, adolescentes e jovens. Crianças, quanto mais novas, mais poderes exercem, algumas, reconheçamos, exercem poderes quase ditatoriais sobre os pais. As necessidades próprias da pequena infância exigem presença, prontidão e vigilância dos pais 24 horas por dia: são os filhos que vão fazer os adultos se descobrirem enquanto pais e mães e não o contrário. As necessidades da pequena infância são poderes que os filhos exercem sobre os pais de forma taxativa, não há como não atendê-las. Quando as necessidades são menores, e filhos passam a exercitar a vontade, o desejo, gostos e preferências, aí os adultos passam a exercer o poder disciplinador e se convencem que são realmente pais e mães, mas logo em seguida vem a adolescência, cujas marcas não são apenas ditadas pelas necessidades, pelas vontades, preferências ou desejos. Adolescentes têm, vamos dizer assim, o poder que é capaz de conquistar. Porém, conquistas estas nunca tranquilas, sempre na base da resistência, da ruptura ou da negociação. Podem votar a partir dos 16 anos de idade, mas não podem definir o horário de voltar para casa nos finais de semana. Podem fazer quase tudo o que querem, desde que seus pais não tomem conhecimento disso e que não levem suas experiências para dentro da escola. Quanto aos jovens, se entendermos como faixa etária entre 18 e 21 anos de idade, pouco ou quase nenhum poder exercem, principalmente os do sexo masculino, que ainda são reféns do famigerado, antiquado e retrógado “serviço militar”. Se estudantes do ensino superior, a faixa etária da dependência se amplia até aos 24 anos de idade, mas são apenas “promessas”, plantadas lá na escolha do curso no vestibular, mas nem sempre concretizadas seja na escolha do curso, na conclusão dele ou no efetivo exercício da profissão escolhida. Talvez uma dimensão do poder nesta faixa etária esteja associada ao vigor físico, à sexualidade, à capacidade de reprodução, atributos estes fartamente usados mais nas relações de gênero do que nas relações intergeracionais ou de diferentes faixas etárias.
Fonte: RevistaPontoCom (http://www.revistapontocom.org.br/entrevistas/eca-22-anos) 15/07/2012
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