Artigo de Lalo Leal Filho – O nível baixinho TV

É impossível construir país mais justo se as crianças são ensinadas por programas feitos para adultos - Lalo Leal Filho


O programa infantil mais visto na TV por crianças de 7 a 11 anos está atrás de outros 17, segundo o Ibope. Ou seja, nessa faixa etária os mais vistos são os que não são dirigidos a elas, e sim aos adultos. Mas não é porque as crianças gostem mais desse tipo de atração. É porque faltam alternativas. Basta verificar que as horas de maior audiência das principais TVs públicas brasileiras (Cultura de São Paulo e TV Brasil) são as de programação infantil.

Entre os canais pagos, a liderança dos infantis é absoluta. Discovery Kids, Cartoon, Disney e Nickelodeon, todos estrangeiros, estão no topo do ranking, mesmo concorrendo com canais de filmes, informação e esporte. O que permite a conclusão de que as crianças só assistem a programas para adultos na TV aberta por falta de escolha.
Em São Paulo, a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da Rádio e da TV Cultura, criou a TV Rá Tim Bum, o primeiro e ainda único canal infantil brasileiro. Iniciativa brilhante, pena que restrita apenas a quem pode pagar pelos pacotes mais caros oferecidos pelas operadoras desse serviço. Para assistir à TV Rá Tim Bum, pagam-se duas vezes: para a operadora e por meio dos impostos que mantêm a Fundação.
As produções da TV aberta, em vez de estimular o desenvolvimento das crianças por meio da arte e da ciência, as reduzem a meros consumidores mirins, incentivam o individualismo e a erotização precoce
Iniciativas isoladas mais recentes na TV aberta são heranças da TV paga, como o Peixenauta, do SBT, Princesas do Mar, da Cultura, e Turma da Mônica, da Globo. O que reafirma a capacidade dos produtores brasileiros de oferecer programas inovadores e de qualidade. Como já foi feito pela própria TV Cultura quando exibiu os inesquecíveis Mundo da LuaCastelo Rá Tim Bum, Glub-Glub, Mundo de Beakman, entre outros, quase todos produzidos pela emissora, que naquele momento, meados dos anos 1990, chegou a obter 12 pontos de audiência e incomodou as concorrentes comerciais.
O SBT mudou a programação do final de tarde e foi buscar novos produtores na própria Cultura. Dessa forma, a emissora pública de São Paulo não só elevava a qualidade de sua própria programação como obrigava os concorrentes a fazer o mesmo.
Ingerências políticas, mudanças de direção e restrições no orçamento acabaram com a fase áurea dos infantis na Cultura. Nunca mais a emissora obteve aqueles índices de audiência. E, sem pressão da concorrência, as emissoras comerciais continuaram acomodadas com programas do tipo Xuxa. São produções que, em vez de estimular o desenvolvimento das crianças por meio da arte e da ciência, as reduzem a meros consumidores mirins, incentivam o individualismo e a erotização precoce.
Como as emissoras não estão preocupadas com isso, mas tão-somente com o lucro imediato, só resta a imposição de leis que as obriguem a ser mais responsáveis e a tratar com maior respeito os jovens telespectadores


Além disso, distorcem a formação da identidade, como mostra pesquisa realizada no Beiru, bairro pobre de Salvador, com crianças de 7 a 14 anos. Assíduas telespectadoras da Xuxa, elas “acreditam que é preciso alisar o cabelo para que fiquem bonitas e não se veem como negras. Para o grupo, negro é sinônimo de feio, é sinal de sujeira e pobreza”, afirmou a pesquisadora Regina Guena.

O problema não é só brasileiro. A forte presença de valores culturais estrangeiros nesses programas fez com que a Argentina tomasse providências. A nova Lei dos Meios de Comunicação, recém-aprovada, obriga todas as emissoras a dedicar, no mínimo, três horas diárias de sua programação a crianças e adolescentes com produções nacionais. Mas não vale preencher esses horários com loiras de shortinho. Uma comissão de acompanhamento será formada para garantir a qualidade.
O Brasil precisa seguir esse caminho se quiser ter novas gerações psicologicamente mais saudáveis. É impossível construir um país mais justo e solidário se nossas crianças continuarem sendo ensinadas pela TV a resolver divergências com o uso da violência. Como as emissoras não estão preocupadas com isso, mas tão-somente com o lucro imediato, só resta a imposição de leis que as obriguem a ser mais responsáveis e a tratar com maior respeito os jovens telespectadores. 

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