TV e escola: entrevista com a pesquisadora Gláucia Guimarães
A professora e pesquisadora da UERJ, Gláucia Guimarães, autora do livro TV e Escola: discursos em confronto, entre outros trabalhos, foi entrevistada pela tutora do Mídias na Educação Wania Malafaia e cursistas de sua turma o ano passado. É uma discussão rica sobre a TV e o vídeo no processo educativo. Gláucia Guimarães falou, entre outros pontos, dos "mecanismos de sedução" da televisão, uma experiência com esse meio na educação de crianças e a ressignificação das práticas escolares a partir da apropriação das linguagens, textos, gêneros e tendências discursivas. Leia a entrevista:
Será possível utilizarmos a televisão e o vídeo a favor do para processo educativo? De que formas?
Acho que é possível sim. Acho que temos que aprender com os discursos e efeitos de sentido produzidos na tevê e tentar modificar os discursos que são muito comuns na escola. O que há na TV que falta à escola?
Os discursos na/da escola, na maioria das vezes, são muito chatos e autoritários. Geralmente eles tendem a interditar a introlocução. Isto, porque geralmente “descrevemos” ou “definimos” as coisas, de acordo de uma visão legitimada: por exemplo, “cadeira serve para sentar, há um acento e um encosto, que comporta uma pessoa...” Não contamos uma história sobre uma cadeira, onde podemos nos sentir a vontade para dar o nosso colorido ao objeto de estudo, nos apropriando dele.
Além disso, na escola super valorizamos a escrita em detrimento de várias outras linguagens. Nossos trabalhos são escritos, nossas leituras são de textos escritos. Geralmente imagens, vídeos, textos multimidiáticos não estão presentes na escola e quando estão, nos fazem ler “criticamente” só para “achar o que há de mau” no texto ou “ganhar a nota do bimestre”. Geralmente não o lemos para fruir, curtir, expressar, comunicar.
Já na TV, na maioria dos programas, o discurso é lúdico, articula realidade e ficção (até nos mais “sérios” como os telejornais), deixando espaço, ou parecendo dar espaço, para darmos nosso colorido, nossa opinião ou visão. Então, isto nos faz pensar: será que é possível incorporar este discurso na escola?
Como podemos nos apropriar dos discursos televisivos na escola? E, como são produzidos os discursos na TV e como eles podem ser trabalhados, lidos e produzidos na escola?
Os efeitos de sentido (os discursos) na televisão tendem a apresentar a televisão não só como democrática (capaz de abarcar as opiniões do povo) - por meio do que chamei de efeito de interlocução - como também tendem a exibir a TV como “espelho do real”. Há um terceiro efeito, que tende a associar as pessoas, as situações e o “real” como espetacular, como fantásticos objetos consumíveis.
Na escola podemos nos apropriar deste discurso, não como apenas como retórica – como nos discursos televisivos -, mas como abordagem para, de fato, tornar as relações na escola mais democráticas, como parte do “real” e mais visíveis, superando o “muro” simbólico da escola que a separa do restante da sociedade.
Na sua tese de doutorado, você aborda os "mecanismos de sedução" discursivos presentes na televisão. Na sua opinião, como o professor pode se apropriar deste "discurso sedutor" e transformá-lo em processo educomunicativo?
Vou exemplificar melhor os efeitos de sentido que são produzidos na TV, para que possamos entender melhor como funcionaria no processo comunicativo na escola: O “efeito de interlocução” é produzido pela presença em imagem e/ou som de pessoas “reais” (não são atores ou são atores desconhecidos representando pessoas comuns da sociedade), de modo a dissimular que o texto apenas “capturou”, e não “representou”, a opinião de pessoas comuns, tendendo a produzir a ilusão de que todos podem participar do que está sendo projetado. Outro aspecto da produção deste efeito é o apelo a temas consensuais, geralmente de cunho educativo ou moralista, defendidos por variadas imagens e vozes.
O “efeito de real”, “de fazer ver e fazer crer no que faz ver” (Bourdieu, 1997, p.28), é produzido pelas imagens estáticas e em movimento, pelos sons e falas de pessoas e situações “reais”, representadas de modo a caracterizar uma transmissão ao vivo e imparcial em que, articuladas, uma enfraquece, diverge ou reforça a outra, produzindo a impressão de transparência na representação do referente que, por conseguinte, pode possibilitar a confusão entre a representação e a realidade representada.
Para dar ainda mais realismo às imagens e aos sons apresentados, há outro efeito do qual o discurso televisivo lança mão: o “efeito de hiper-real.” As linguagens procuram invariavelmente exacerbar o caráter emocional do quê ou de quem está no foco das câmeras, através de enquadramentos, movimentos e efeitos especiais na imagem e no som e, ainda, na produção de legendas que explicam o que é preciso ver ou ler, tornando o referente mais dramático e emocionante.
Ainda na sua dissertação de mestrado, você analisou dois programas infantis, de uma emissora de TV Nacional. Como você utilizou este recurso com seus alunos, em sala de aula?
Usei como um espaço de produção de sentidos, como um texto que interagimos por meio dele...
Naquela época lecionava para uma turminha de educação infantil. Procurei saber o que eles gostavam de assistir na televisão. Disparado, o Castelo Rá-Tim-Bum era o mais assistido por eles. Como o Rá-Tim-Bum era veiculado em horário próximo, eles também o assistiam.
Então, os trouxe para as aulas. O objetivo que a turma tinha era, baseados nos dois programas, escrever ou fazer um programa de televisão que todos gostariam de assistir e enviar para os produtores dos programas infantis que víamos.
À medida que eles iam fazendo o programa, eles iam analisando os textos e iam vendo o que, para eles, funcionava no texto televisivo. Eles diziam que tinha que ter uma história, que não tinha que ser como o Rá-Tim-Bum, se identificavam com os personagens do Castelo Rá-Tim-Bum e os incluía no programa deles, viam que tinha que ter música, entre outras coisas que pudemos analisar, fazendo a nossa própria produção, uma leitura nossa, uma forma de apropriação dos programas, dos discursos e das linguagens televisivas.
Nós filmamos nosso programa, mas não pudemos enviar para os produtores do Rá-Tim-Bum e do Castelo Rá-Tim-Bum. Na época (por volta de 1995), não tínhamos recursos como temos agora: câmera digital, You tube para veicular, etc.
No entanto, o objetivo foi alcançado, vivenciamos uma experiência que não ficou como mais um trabalho a ser feito na escola, mas como uma experiência de comunicação com a sociedade.
Qual a faixa etária destes alunos e seus comportamentos e reações durante os programas televisivos, em sala de aula?
A faixa etária era de 4 aos 6 anos. Eles gostaram muito da experiência e se sentiram verdadeiros cineastas e produtores de programas televisivos. Acho que ampliou bastante as formas que usavam para comunicar, não somente na escola, mas na vida deles.
Hoje faço isto com meus alunos de graduação. Por exemplo, neste momento, ao trabalharmos algumas questões essenciais na disciplina de didática, pedi que eles registrassem, por meio de qualquer linguagem (imagem, som, palavra) como se sentiam e o que mais os marcou na sua história escolar. A partir disso, o objetivo era fazer campanhas para que não repetíssemos na escola o que não consideramos saudável (como este cartaz abaixo e como um vídeo sobre preconceito na escola, que vamos postar no YouTube), e divulgássemos as situações interessantes que vivemos também em nossa vida escolar.
Na sua Tese de doutorado, você também aborda o aspecto sedutor da narrativa televisiva, sobre como são construídos os discursos da TV e como podemos nos apropriar destes discursos na escola. A partir desta análise, você destacou três encaminhamentos para a apropriação das TIC e suas linguagens. Por favor, você poderia fazer um breve comentário sobre cada encaminhamento?
1. a superação da concepção do "uso" das tecnologias como mais um "recurso" de ensino; Como falei anteriormente, não “uso” para “dar aula”, considero que os textos que circulam na sociedade deve circular nas instituições de ensino. Afinal, o nosso papel é fazer com que a gente possa participar mais ativamente na sociedade que estamos inseridos. Então, precisamos trabalhar com estes textos na escola, não para “ganhar uma nota na disciplina X ou Y”, mas para vivermos com mais autonomia e em sintonia com o nosso tempo e espaço comunitário.
2. a identificação de algumas condições para a aproximação entre as práticas comunicativas escolares e as práticas sociais; Acho que a gente tinha que deixar de separar a escola da sociedade, os conteúdos dos conhecimentos, o estudo da vida... Temos que aprender a suplantar os muros da escola, praticando os conhecimentos na sociedade, agindo contra o que não achamos legal, fazendo campanhas, mobilizações, e reforçando o que achamos interessante, isto tudo através de textos do nosso tempo.
3. a ressignificação das práticas escolares a partir da apropriação das linguagens, textos, gêneros, tendências discursivas. Lendo e produzindo textos para participarmos melhor da sociedade, a apropriação dos textos e linguagens que circulam, acontecerá naturalmente.
Fonte: Mídias na Educação/ NCE-USP
Será possível utilizarmos a televisão e o vídeo a favor do para processo educativo? De que formas?
Acho que é possível sim. Acho que temos que aprender com os discursos e efeitos de sentido produzidos na tevê e tentar modificar os discursos que são muito comuns na escola. O que há na TV que falta à escola?
Os discursos na/da escola, na maioria das vezes, são muito chatos e autoritários. Geralmente eles tendem a interditar a introlocução. Isto, porque geralmente “descrevemos” ou “definimos” as coisas, de acordo de uma visão legitimada: por exemplo, “cadeira serve para sentar, há um acento e um encosto, que comporta uma pessoa...” Não contamos uma história sobre uma cadeira, onde podemos nos sentir a vontade para dar o nosso colorido ao objeto de estudo, nos apropriando dele.
Além disso, na escola super valorizamos a escrita em detrimento de várias outras linguagens. Nossos trabalhos são escritos, nossas leituras são de textos escritos. Geralmente imagens, vídeos, textos multimidiáticos não estão presentes na escola e quando estão, nos fazem ler “criticamente” só para “achar o que há de mau” no texto ou “ganhar a nota do bimestre”. Geralmente não o lemos para fruir, curtir, expressar, comunicar.
Já na TV, na maioria dos programas, o discurso é lúdico, articula realidade e ficção (até nos mais “sérios” como os telejornais), deixando espaço, ou parecendo dar espaço, para darmos nosso colorido, nossa opinião ou visão. Então, isto nos faz pensar: será que é possível incorporar este discurso na escola?
Como podemos nos apropriar dos discursos televisivos na escola? E, como são produzidos os discursos na TV e como eles podem ser trabalhados, lidos e produzidos na escola?
Os efeitos de sentido (os discursos) na televisão tendem a apresentar a televisão não só como democrática (capaz de abarcar as opiniões do povo) - por meio do que chamei de efeito de interlocução - como também tendem a exibir a TV como “espelho do real”. Há um terceiro efeito, que tende a associar as pessoas, as situações e o “real” como espetacular, como fantásticos objetos consumíveis.
Na escola podemos nos apropriar deste discurso, não como apenas como retórica – como nos discursos televisivos -, mas como abordagem para, de fato, tornar as relações na escola mais democráticas, como parte do “real” e mais visíveis, superando o “muro” simbólico da escola que a separa do restante da sociedade.
Na sua tese de doutorado, você aborda os "mecanismos de sedução" discursivos presentes na televisão. Na sua opinião, como o professor pode se apropriar deste "discurso sedutor" e transformá-lo em processo educomunicativo?
Vou exemplificar melhor os efeitos de sentido que são produzidos na TV, para que possamos entender melhor como funcionaria no processo comunicativo na escola: O “efeito de interlocução” é produzido pela presença em imagem e/ou som de pessoas “reais” (não são atores ou são atores desconhecidos representando pessoas comuns da sociedade), de modo a dissimular que o texto apenas “capturou”, e não “representou”, a opinião de pessoas comuns, tendendo a produzir a ilusão de que todos podem participar do que está sendo projetado. Outro aspecto da produção deste efeito é o apelo a temas consensuais, geralmente de cunho educativo ou moralista, defendidos por variadas imagens e vozes.
O “efeito de real”, “de fazer ver e fazer crer no que faz ver” (Bourdieu, 1997, p.28), é produzido pelas imagens estáticas e em movimento, pelos sons e falas de pessoas e situações “reais”, representadas de modo a caracterizar uma transmissão ao vivo e imparcial em que, articuladas, uma enfraquece, diverge ou reforça a outra, produzindo a impressão de transparência na representação do referente que, por conseguinte, pode possibilitar a confusão entre a representação e a realidade representada.
Para dar ainda mais realismo às imagens e aos sons apresentados, há outro efeito do qual o discurso televisivo lança mão: o “efeito de hiper-real.” As linguagens procuram invariavelmente exacerbar o caráter emocional do quê ou de quem está no foco das câmeras, através de enquadramentos, movimentos e efeitos especiais na imagem e no som e, ainda, na produção de legendas que explicam o que é preciso ver ou ler, tornando o referente mais dramático e emocionante.
Ainda na sua dissertação de mestrado, você analisou dois programas infantis, de uma emissora de TV Nacional. Como você utilizou este recurso com seus alunos, em sala de aula?
Usei como um espaço de produção de sentidos, como um texto que interagimos por meio dele...
Naquela época lecionava para uma turminha de educação infantil. Procurei saber o que eles gostavam de assistir na televisão. Disparado, o Castelo Rá-Tim-Bum era o mais assistido por eles. Como o Rá-Tim-Bum era veiculado em horário próximo, eles também o assistiam.
Então, os trouxe para as aulas. O objetivo que a turma tinha era, baseados nos dois programas, escrever ou fazer um programa de televisão que todos gostariam de assistir e enviar para os produtores dos programas infantis que víamos.
À medida que eles iam fazendo o programa, eles iam analisando os textos e iam vendo o que, para eles, funcionava no texto televisivo. Eles diziam que tinha que ter uma história, que não tinha que ser como o Rá-Tim-Bum, se identificavam com os personagens do Castelo Rá-Tim-Bum e os incluía no programa deles, viam que tinha que ter música, entre outras coisas que pudemos analisar, fazendo a nossa própria produção, uma leitura nossa, uma forma de apropriação dos programas, dos discursos e das linguagens televisivas.
Nós filmamos nosso programa, mas não pudemos enviar para os produtores do Rá-Tim-Bum e do Castelo Rá-Tim-Bum. Na época (por volta de 1995), não tínhamos recursos como temos agora: câmera digital, You tube para veicular, etc.
No entanto, o objetivo foi alcançado, vivenciamos uma experiência que não ficou como mais um trabalho a ser feito na escola, mas como uma experiência de comunicação com a sociedade.
Qual a faixa etária destes alunos e seus comportamentos e reações durante os programas televisivos, em sala de aula?
A faixa etária era de 4 aos 6 anos. Eles gostaram muito da experiência e se sentiram verdadeiros cineastas e produtores de programas televisivos. Acho que ampliou bastante as formas que usavam para comunicar, não somente na escola, mas na vida deles.
Hoje faço isto com meus alunos de graduação. Por exemplo, neste momento, ao trabalharmos algumas questões essenciais na disciplina de didática, pedi que eles registrassem, por meio de qualquer linguagem (imagem, som, palavra) como se sentiam e o que mais os marcou na sua história escolar. A partir disso, o objetivo era fazer campanhas para que não repetíssemos na escola o que não consideramos saudável (como este cartaz abaixo e como um vídeo sobre preconceito na escola, que vamos postar no YouTube), e divulgássemos as situações interessantes que vivemos também em nossa vida escolar.
Na sua Tese de doutorado, você também aborda o aspecto sedutor da narrativa televisiva, sobre como são construídos os discursos da TV e como podemos nos apropriar destes discursos na escola. A partir desta análise, você destacou três encaminhamentos para a apropriação das TIC e suas linguagens. Por favor, você poderia fazer um breve comentário sobre cada encaminhamento?
1. a superação da concepção do "uso" das tecnologias como mais um "recurso" de ensino; Como falei anteriormente, não “uso” para “dar aula”, considero que os textos que circulam na sociedade deve circular nas instituições de ensino. Afinal, o nosso papel é fazer com que a gente possa participar mais ativamente na sociedade que estamos inseridos. Então, precisamos trabalhar com estes textos na escola, não para “ganhar uma nota na disciplina X ou Y”, mas para vivermos com mais autonomia e em sintonia com o nosso tempo e espaço comunitário.
2. a identificação de algumas condições para a aproximação entre as práticas comunicativas escolares e as práticas sociais; Acho que a gente tinha que deixar de separar a escola da sociedade, os conteúdos dos conhecimentos, o estudo da vida... Temos que aprender a suplantar os muros da escola, praticando os conhecimentos na sociedade, agindo contra o que não achamos legal, fazendo campanhas, mobilizações, e reforçando o que achamos interessante, isto tudo através de textos do nosso tempo.
3. a ressignificação das práticas escolares a partir da apropriação das linguagens, textos, gêneros, tendências discursivas. Lendo e produzindo textos para participarmos melhor da sociedade, a apropriação dos textos e linguagens que circulam, acontecerá naturalmente.
Fonte: Mídias na Educação/ NCE-USP
A professora Glaúcia nos faz sentir que é possível ser professor e encantador de pessoas ao mesmo tempo. Ela resgata o leitor que existe em nós. Dani Alves
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