Tsunami e jornais escritos à mão
Ninguém se comunica pelo Twitter, blogs ou e-mail. As pessoas também não usam telefone. Sem eletricidade, gasolina e gás a cidade traumatizada pelo tsunami está fazendo as coisas realmente amaneira antiga: usando papel e caneta.
Incapaz de operar sua impressora do século 20–os computadores, então, nem pensar–, website ou celulares 3G, os jornalistas do único jornal de Ishinomaki, o Hibi Shimbun, escrevem seus artigos à mão com canetas hidrográficas em grandes folhas de papel branco.
Ao contrário do que ocorre com a mídia moderna, o método tem funcionado.
“As pessoas que sofrem uma tragédia como essa precisam de alimentos, água, mas também de informação”, disse Hiroyuki Takeuchi, chefe de reportagem do Hibi Shimbun. “ Elas estavam habituadas a se informar pela TV e pela internet, mas, quando não há eletricidade, a única coisa que têm é o nosso jornal.”
Embora a recente agitação política que toma conta do mundo árabe tenha realçado o poder das novas mídias, a miséria no Japão, um dos países mais conectados do mundo, fez a comunicação retroceder no tempo.
Durante alguns dias, pelo menos, a palavra escrita à mão e impressa atingiu o auge. Depois de escrever e editar os artigos. Takeuchi e outros da equipe copiam suas matérias à mão em folhas de papel para distribuí-las em centros de ajuda de emergência que acolhem os sobreviventes do pior terremoto sofrido pelo país e do tsunami que se seguiu.
“Eles estavam desesperados por informações”, disse Takeuchi, que durante dez dias após o tsunami dormiu na redação do jornal, uma vez que as águas inundaram o andar térreo de sua casa. Com a eletricidade de volta para um terço dos 160 mil moradores da cidade, o jornal deixou de lado a caneta e voltou a ser impresso.
O acesso à internet, porém, ainda não está disponível. Na segunda-feira, a capa do jornal elogiava um “resgate milagroso”, a história de uma senhora de 80 anos e de seu neto de 16, retirados de sua casa destroçada.
Na costa,em Sendai, uma cidade antes próspera de mais de 1 milhão de habitantes, a irresistível força digital também ficou interrompida.“Em condições como essas, nada tem o poder do papel”, disse MasahikoIchiriki, presidente e dono do Kahoku Shimpo, principal jornal da cidade.
Edição especial. Com muitas lojas fechadas, as pessoas não conseguem comprar baterias para seus rádios. O colapso do sistema elétrico provocou o desligamento de computadores e aparelhos de TV , mas o jornal continua sendo publicado o tempo todo. Chegou até a trazer uma edição especial , de uma página, na noite do tsunami. “Os moradores, famintos por informação dependem do nosso jornal como um salva-vidas”, disse. O Kahoku Shimpo fornece não apenas notícias sobre a catástrofe, mas também informações vitais sobre que lojas têm alimentos, quais estradas já estão transitáveis, que bancos têm dinheiro em caixa e quais filiais de uma conhecida loja de bebidas foram reabertas.
Em Ishinomaki, cidade menor do que Sendai, porém mais destruída, o Hibi Shimbun não foi publicado por dois dias após o tsunami. Um dos seis jornalistas foi arrastado dentro do carro pelas águas quando voltava de um compromisso. Ele sobreviveu e, depois de alguns dias no hospital, voltou ao trabalho.
Hiroyuki Takeuchiestava em seu escritório na hora do terremoto, às 14h46n do dia 11 de março. Ele tinha acabado de concluir a edição do dia, que trazia um artigo de capa sobre os “encantos ocultos” de Ishinomaki e as promessas das autoridades para a reformadohospital e outras instalações. O terremoto sacudiu de maneira tão forte os dois andares do prédio do jornal que as lâmpadas fluorescentes caíram do teto e os armários tombaram no chão.
A primeira edição escrita à mão, preparada no dia 13 de março, trouxe como manchete a promessa de “tentar e obter informações mais precisas possíveis sobre a tragédia”.
E informou sobre a chegada de equipes de socorro de todo o Japão e sobre a extensão da devastação. Casas e empresas situadas à beira-mar foram destruídas. Mais de 30 mil pessoas procuraram refúgio em abrigos. “Agora, conhecemos a extensão total dos danos”, era um dos títulos da edição. No dia seguinte,o jornal trouxe o nome e a idade de 34 moradores da área cujos corpos haviam sido identificados. Informou também sobre um roubo em um supermercado, um sinal do desespero da cidade. “Os jornalistas, porém, procuraram levantar o ânimo da população”, disse Takeuchi.“ Procuramos coisas que dessem esperança. Essa é a nossa filosofia.”.
Segundo ele, o jornal deixou de publicar nomes de pessoas mortas porque o número de vítimas continuou crescendo. Mais de 1,3 mil corpos foram encontrados. Todo o esforço ajudou a preencher o vazio deixado pela ausência da mídia eletrônica.
“Viver sem eletricidade ou água e pouca comida é muito duro”, disse Yutaka Iwasava, de 25 anos,morador de Ishinomaki. “Mas o pior é não ter nenhuma informação.”
Iwasava disse que, desde o tsunami não conseguiu mais acessar seu e-mail e nem navegar na internet.
Fonte: Estado de S. Paulo (Visão Global – 23/03/2011 – Pág. A16) - Por Andrew Higgins
Incapaz de operar sua impressora do século 20–os computadores, então, nem pensar–, website ou celulares 3G, os jornalistas do único jornal de Ishinomaki, o Hibi Shimbun, escrevem seus artigos à mão com canetas hidrográficas em grandes folhas de papel branco.
Ao contrário do que ocorre com a mídia moderna, o método tem funcionado.
“As pessoas que sofrem uma tragédia como essa precisam de alimentos, água, mas também de informação”, disse Hiroyuki Takeuchi, chefe de reportagem do Hibi Shimbun. “ Elas estavam habituadas a se informar pela TV e pela internet, mas, quando não há eletricidade, a única coisa que têm é o nosso jornal.”
Embora a recente agitação política que toma conta do mundo árabe tenha realçado o poder das novas mídias, a miséria no Japão, um dos países mais conectados do mundo, fez a comunicação retroceder no tempo.
Durante alguns dias, pelo menos, a palavra escrita à mão e impressa atingiu o auge. Depois de escrever e editar os artigos. Takeuchi e outros da equipe copiam suas matérias à mão em folhas de papel para distribuí-las em centros de ajuda de emergência que acolhem os sobreviventes do pior terremoto sofrido pelo país e do tsunami que se seguiu.
“Eles estavam desesperados por informações”, disse Takeuchi, que durante dez dias após o tsunami dormiu na redação do jornal, uma vez que as águas inundaram o andar térreo de sua casa. Com a eletricidade de volta para um terço dos 160 mil moradores da cidade, o jornal deixou de lado a caneta e voltou a ser impresso.
O acesso à internet, porém, ainda não está disponível. Na segunda-feira, a capa do jornal elogiava um “resgate milagroso”, a história de uma senhora de 80 anos e de seu neto de 16, retirados de sua casa destroçada.
Na costa,em Sendai, uma cidade antes próspera de mais de 1 milhão de habitantes, a irresistível força digital também ficou interrompida.“Em condições como essas, nada tem o poder do papel”, disse MasahikoIchiriki, presidente e dono do Kahoku Shimpo, principal jornal da cidade.
Edição especial. Com muitas lojas fechadas, as pessoas não conseguem comprar baterias para seus rádios. O colapso do sistema elétrico provocou o desligamento de computadores e aparelhos de TV , mas o jornal continua sendo publicado o tempo todo. Chegou até a trazer uma edição especial , de uma página, na noite do tsunami. “Os moradores, famintos por informação dependem do nosso jornal como um salva-vidas”, disse. O Kahoku Shimpo fornece não apenas notícias sobre a catástrofe, mas também informações vitais sobre que lojas têm alimentos, quais estradas já estão transitáveis, que bancos têm dinheiro em caixa e quais filiais de uma conhecida loja de bebidas foram reabertas.
Em Ishinomaki, cidade menor do que Sendai, porém mais destruída, o Hibi Shimbun não foi publicado por dois dias após o tsunami. Um dos seis jornalistas foi arrastado dentro do carro pelas águas quando voltava de um compromisso. Ele sobreviveu e, depois de alguns dias no hospital, voltou ao trabalho.
Hiroyuki Takeuchiestava em seu escritório na hora do terremoto, às 14h46n do dia 11 de março. Ele tinha acabado de concluir a edição do dia, que trazia um artigo de capa sobre os “encantos ocultos” de Ishinomaki e as promessas das autoridades para a reformadohospital e outras instalações. O terremoto sacudiu de maneira tão forte os dois andares do prédio do jornal que as lâmpadas fluorescentes caíram do teto e os armários tombaram no chão.
A primeira edição escrita à mão, preparada no dia 13 de março, trouxe como manchete a promessa de “tentar e obter informações mais precisas possíveis sobre a tragédia”.
E informou sobre a chegada de equipes de socorro de todo o Japão e sobre a extensão da devastação. Casas e empresas situadas à beira-mar foram destruídas. Mais de 30 mil pessoas procuraram refúgio em abrigos. “Agora, conhecemos a extensão total dos danos”, era um dos títulos da edição. No dia seguinte,o jornal trouxe o nome e a idade de 34 moradores da área cujos corpos haviam sido identificados. Informou também sobre um roubo em um supermercado, um sinal do desespero da cidade. “Os jornalistas, porém, procuraram levantar o ânimo da população”, disse Takeuchi.“ Procuramos coisas que dessem esperança. Essa é a nossa filosofia.”.
Segundo ele, o jornal deixou de publicar nomes de pessoas mortas porque o número de vítimas continuou crescendo. Mais de 1,3 mil corpos foram encontrados. Todo o esforço ajudou a preencher o vazio deixado pela ausência da mídia eletrônica.
“Viver sem eletricidade ou água e pouca comida é muito duro”, disse Yutaka Iwasava, de 25 anos,morador de Ishinomaki. “Mas o pior é não ter nenhuma informação.”
Iwasava disse que, desde o tsunami não conseguiu mais acessar seu e-mail e nem navegar na internet.
Fonte: Estado de S. Paulo (Visão Global – 23/03/2011 – Pág. A16) - Por Andrew Higgins
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