Digitus infamis
Crédito: Revista Cult |
Por Orlando Senna (http://refletor.tal.tv/tag/orlando-senna)
Vejo muitas postagens nos facebooks
da vida sobre a capa da revista Cult deste mês (número 188), onde a professora,
ensaista, apresentadora de TV e ativista cibercultural Ivana Bentes está
mostrando o dedo médio ereto. Creio que grande parte das postagens vêm da Bahia, onde a foto de Ivana “dando dedo“
chamou atenção porque apareceu logo depois de um fato político local
relacionado com isso: na abertura do carnaval baiano, e reagindo a uma vaia ao
governador Jacques Wagner, a primeira-dama Fátima Mendonça deu dedo aos
vaiadores. Muita gente
condenou e muita gente aprovou. No meio da polêmica apareceu a capa da revista
com o mesmo gesto feito por uma mulher de grande trânsito no mercado brasileiro
de ideias e esquentou a discussão.
Antropólogos afirmam que é uma das mais antigas
expressões corporais da humanidade, alguns até ousam dizer que se trata de
atavismo, uma tradução humana (mais civilizada) da exibição pelos primatas do
pênis ereto aos inimigos, para intimidá-los. Historicamente, o primeiro
registro é de 423 anos antes de Cristo, na peça As nuvens do
poeta grego Aristófanes. O gesto se espalhou pela Antiguidade e chegou a Roma,
onde foi batizado “digitus infamis”, dedo infame, também traduzido como
obsceno. E ficou em quase todas as culturas, significando ofensa ou desprezo,
tipo “não ligo para o que você está dizendo ou fazendo”. É largamente empregado
na atual cultura ocidental, com abundante presença na literatura, pintura,
teatro e cinema. Tanto nas artes como na realidade da vida, é usado por ambos
sexos, sem discriminação.
A primeira-dama baiana e a doutora amazonense
são mulheres brilhantes e provocadoras, caracterizadas por gestar polêmicas,
por lançar luzes novas sobre o comportamento da sociedade e dos indivíduos nesta
nossa modernidade cambiante. As entrevistas de Fátima Mendonça, que é
enfermeira, sacodem a Bahia com sua sinceridade, tocando em assuntos sensíveis
“sem papas na língua”. Ela justifica sua atitude como direito à liberdade de
expressão para todo mundo, incluindo primeiras-damas. Ivana Bentes já balançou
a intelligentsia brasileira várias vezes, bastando lembrar a
definição de “cosmética da fome” (a mais importante intervenção teórica do
cinema contemporâneo do Brasil) para os filmes dos anos 1990, em contraposição
à “estética da fome”, substrato filosófico de Glauber Rocha e do Cinema Novo.
No facebook Ivana falou sobre a capa da Cult.
“Intelectual e professor no Brasil é meio clichê: se apresenta sempre
sério e com uma biblioteca atrás nas fotos. Não pode ser nem sorridente e nem
irreverente. Se for mulher então, num país machista, mesmo dentro das
universidades, tem que se enquadrar nas ‘regras de respeitabilidade’ e da
‘reputação’. (…) Um gesto (mesmo irreverente) é uma forma de comunicação direta
e a quente, diante de tantas limitações, constrangimentos e caretice. (…) Às
vezes é preciso sair do figurino para falar amplamente e francamente.”
Na entrevista na Cult, intitulada Respeitosamente
vândala, ela diz que “as periferias são laboratórios de mundo e a riqueza
do Brasil”, e lança os conceitos ciberperiferia e riqueza
da pobreza, ”que transforma as favelas, quilombos urbanos conectados,
em laboratórios de produção subjetiva”. Os dedos femininos levantados
aconteceram durante as celebrações do Dia Internacional da Mulher, inclusive a
capa da Cult é referente a isso. Na minha visão subjetiva, as mulheres avançam
a todo vapor na sua inclusão abrangente no cenário social do século XXI e
mostro a elas o V da vitória (indicador e médio levantados) que, aliás, se
originou como pedido de clemência dos gladiadores que perdiam a luta no Coliseu
romano e não queriam ser sacrificados. Uma sugestão: leiam A história
de nossos gestos, de Luís da Câmara Cascudo.
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